Um domingo na Av. Paulista

Uma gente que expressa, sem nenhum pudor, seu desprezo a pobres, nordestinos, negros e tudo o mais que possa ser visto como a "ralé". Havia, em muitos rostos, uma expressão muito sincera de "desabafo". O libertar de um grito, contido nos últimos anos, ansioso por vociferar contra o tal "bolsa-esmola", o "voto dos nordestinos", "essa coisa de cotas" e os "preços absurdos que nos cobram nossas empregadas e babás". Sim, não é uma imagem de fora, preconceituosa. Tudo isso estava lá. Quantos por cento representam no conjunto? Não sei. Mas não são inexpressivos.

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Uma gente que expressa, sem nenhum pudor, seu desprezo a pobres, nordestinos, negros e tudo o mais que possa ser visto como a "ralé". Havia, em muitos rostos, uma expressão muito sincera de "desabafo". O libertar de um grito, contido nos últimos anos, ansioso por vociferar contra o tal "bolsa-esmola", o "voto dos nordestinos", "essa coisa de cotas" e os "preços absurdos que nos cobram nossas empregadas e babás". Sim, não é uma imagem de fora, preconceituosa. Tudo isso estava lá. Quantos por cento representam no conjunto? Não sei. Mas não são inexpressivos Por Vinicius Wu Detesto todo tipo de pré-conceito, de convicções firmadas sem o auxílio da razão e o critério insubstituível da experiência. Nem sempre agimos ou pensamos livres de preconceitos. É preciso esforço e vigilância permanente. Tomando essa reflexão como ponto de partida, resolvi caminhar pela Av. Paulista nesse domingo de protestos contra o governo federal. Quis verificar, com meus próprios olhos, um pouco daquilo que as TV's buscam nos mostrar em flashes previamente ensaiados, com textos idênticos, relatando o que ocorre de Norte a Sul do país, como se o Brasil fosse homogêneo como a cabeça de seus "analistas". Pois, então, a primeira advertência desse breve relato é essa: falo do que vi em São Paulo, especificamente. O que não quer dizer que tenha sido da mesma forma em Salvador, Belém, Rio ou Porto Alegre. E a primeira impressão que tive foi a de que não havia um sentido único no movimento daquelas pessoas. Não é verdade que todos estejam ali "sob a mesma bandeira". Me aproximei de algumas pessoas, ouvi muitas delas falando umas com outras. Há mais ou menos ódio ao PT, maiores e menores expectativas em relação ao impeachment etc. Ou seja, o primeiro mito a ser desfeito é esse: não há tanta uniformidade assim. E percebi que havia, sim, gente bem intencionada, preocupada com o país, com a corrupção. Ouvi um senhor responder a uma pesquisa de opinião. Em suas respostas condenava, igualmente, casos de corrupção do PT e do PSDB. Perguntado sobre o porquê de só falarem ali dos delitos praticados por petistas, ele não soube responder. Gente bem intencionada havia. E também havia gente, simplesmente, desinformada. Muitos histéricos também, repetindo "fora Peteeê" quase irracionalmente. Tinha até quem estivesse ali apenas pela "onda", quase aderindo a um evento social, encontrando amigos. Umas preocupações legítimas e outras nem tanto. Mas, de fato, chama a atenção a quantidade de pessoas que parecem estar ali por motivos que não tem nada a ver com corrupção, Petrobras, desvios etc. Elas estariam ali, de qualquer forma, após uma década de políticas de distribuição de renda e ampliação de oportunidades para os mais pobres. Há, sim, uma boa parcela de manifestantes incomodados com o que poderíamos chamar de "aumento da concorrência". Uma gente que expressa, sem nenhum pudor, seu desprezo a pobres, nordestinos, negros e tudo o mais que possa ser visto como a "ralé". Havia, em muitos rostos, uma expressão muito sincera de "desabafo". O libertar de um grito, contido nos últimos anos, ansioso por vociferar contra o tal "bolsa-esmola", o "voto dos nordestinos", "essa coisa de cotas" e os "preços absurdos que nos cobram nossas empregadas e babás". Sim, não é uma imagem de fora, preconceituosa. Tudo isso estava lá. Quantos por cento representam no conjunto? Não sei. Mas não são inexpressivos, de maneira alguma. Quase não vi negros no protesto da Paulista. Sim, claro, havia alguns. Mas em número quase insignificante. A maioria dos negros ali, além de mim, estava vendendo refrigerantes, água e souvenir's dos protestos (incrível a capacidade criativa do povo brasileiro em sua luta pela sobrevivência!). Encerro o dia um pouco mais aliviado. Percebo que, afinal, há muitas "tribos" reunidas nesses protestos. Não são todos coxinhas querendo um golpe militar. Mas, ao mesmo tempo, saí da Paulista com uma sensação estranha. Um certo desgosto por perceber que, no fundo, muitos estavam ali, simplesmente, a defender uma ordem excludente, repleta de privilégios e desigualdades abissais, que ainda marcam a estrutura de classes deste imenso país. Tinha até bandeira do Império na Av. Paulista nesse domingo! E não tem nada de extravagante nisso. É simplesmente a expressão cristalina de nosso passado escravagista rondando, como um espectro, as mentes dos que vivem por essas terras. Talvez ainda sejamos, por muitos séculos, atormentados por esses fantasmas. Infelizmente. Foto de capa: Reprodução/Twitter