Um romance que lembra uma gravura de Escher

Rio de Janeiro, início da década de 1990. Antonio. C leva uma vida boêmia, de bar em bar, tomando seu Jack Daniel’s e outras coisas mais e dando festas em seu apartamento herdado pelo seu pai, no nobre bairro carioca do Leblon

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Por Adriana Delorenzo Esta matéria faz parte da edição 125 da revista Fórum. Compre aqui. Rio de Janeiro, início da década de 1990. Antonio. C leva uma vida boêmia, de bar em bar, tomando seu Jack Daniel’s e outras coisas mais e dando festas em seu apartamento herdado pelo seu pai, no nobre bairro carioca do Leblon. Ema casou-se com Carlos B., nem se lembra mais há quanto tempo, e vive uma vida infeliz e monótona. Acreditou em “seu príncipe” Fernando Collor, mas do sonho de que viveria no “Primeiro Mundo” restou mais amargura e menos dinheiro. Antonio C. escreve um romance, no fundo, tem ambição de ser um escritor de sucesso, assim como Gustave Flaubert. E em suas páginas conta a história de sua Ema Bovary carioca. Madame Flaubert, novo livro de Antonio Mello lançado pela Editora Publisher Brasil, parece um romance dentro de um romance, dentro de um romance, como se fosse uma boneca russa Matrioshka. Ou, como define o professor de Teoria da Literatura da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Gustavo Bernardo, “sugere, também, uma daquelas gravuras de M. C. Esher, em que as figuras que parecem sair de um quadro ou de uma folha de papel se encontram, por sua vez, em outro quadro ou folha de papel”. A história (ou as histórias) dos personagens em busca de sentido na vida é instigante. É daqueles livros que dá para ler sem parar, até o fim. O Brasil é aquele do início da década de 1990, com suas poupanças confiscadas, afundado em corrupção, desemprego e inflação, num jogo midiático para eleger e depor Collor, quando uma atriz, filha da autora da novela onde atuava, é brutalmente assassinada pelo seu par romântico. O cenário deprimente reflete essa busca (ou encontro) de Ema, Antonio C., Carlos B. e outros personagens em crise. Todos têm suas histórias próprias mas que se encontram, seja na mesa do bar, ou em cenas mais quentes. Um desses encontros é de Ema e Marina, que viveram um romance na adolescência. Uma nutre uma paixão pela outra. Não Ema, que é incapaz disso, mas entrega-se a outra quando lhe convém. É numa visita de Ema a Marina que começa a saga da vida de Carlos B. e sua esposa. Gustavo Bernardo considera o romance excepcional.“Lê-se como se fosse um romance genial e sofisticado e, ao mesmo tempo, lê-se como se fosse um romance policial e eletrizante. Ou seja: a chamada alta literatura mistura-se desavergonhadamente com a chamada baixa literatura, a literatura popular, de mercado, e o resultado é fascinante.” Antonio Mello é publicitário e Madame Flaubert é seu terceiro livro. Publicou A metáfora de Drácula (Rio de Janeiro: José Olympio, 1982) e A fome e o medo (Rio de Janeiro: edição da InternAD,1998). Mantém um blogue sobre política, o Blog do Mello. Confira abaixo um trecho do livro: Se o incauto soubesse aonde esse convite o levará, provavelmente não o entregaria a ela. Se ao passar para as mãos de Ema o pequeno envelope, o adicto tivesse noção da enxurrada de fatos novos que virarão sua vida de pernas para o ar, talvez houvesse ficado quieto ouvindo pacientemente a ladainha collorida da mulher. Mas ele fez o gesto, e irá se arrepender disso pelo resto de seus dias. (….) Ema chega-se a ela, os seios ainda firmes – agora mais, como se olhassem o colar acima. Abraça-a. Marina retribui. Aperta-a contra si, como se quisesse recuperar no abraço a loura que foi, possuindo a morena. Mas aperta-a com tanta força, que Ema se assusta, afasta-se, lenta, delicadamente. E percebe que Marina chora. (…) Para algumas pessoas, o mundo é feito de indecisões, caminhos que se bifurcam, inúmeras possibilidades. Para Ema não. Ela sabe, e sempre soube, o que quer. A vida não tem mistérios – apenas desejos insatisfeitos. E projetos.           Madame Flaubert Antonio Mello Publisher Brasil, R$ 30, 192 págs Compre aqui