Um teste para a democracia e para todos nós

Vivemos momentos difíceis. Tão grave quanto a situação econômica é o ataque à democracia que dilacera o Brasil e pode levar o país a um enorme retrocesso político. Lutamos contra a ditadura e, com avanços e recuos, estamos construindo a democracia. Mesmo com fragilidades e sem resolver a democratização de setores chaves, a exemplo da grande mídia, chegamos a uma democracia com ritos de certa consistência, como liberdades e eleições periódicas, nas quais a opinião dos brasileiros se fez ouvir, ainda que distorcida pelo alto custo, devido ao financiamento empresarial das campanhas eleitorais.

Foto: Gleidiçon Rodrigues
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"Vivemos momentos difíceis. Tão grave quanto a situação econômica é o ataque à democracia que dilacera o Brasil e pode levar o país a um enorme retrocesso político". Confira o artigo do professor Antonio Albino Canelas Rubim Por Antonio Albino Canelas Rubim * Vivemos momentos difíceis. Tão grave quanto a situação econômica é o ataque à democracia que dilacera o Brasil e pode levar o país a um enorme retrocesso político. Lutamos contra a ditadura e, com avanços e recuos, estamos construindo a democracia. Mesmo com fragilidades e sem resolver a democratização de setores chaves, a exemplo da grande mídia, chegamos a uma democracia com ritos de certa consistência, como liberdades e eleições periódicas, nas quais a opinião dos brasileiros se fez ouvir, ainda que distorcida pelo alto custo, devido ao financiamento empresarial das campanhas eleitorais. Esta democracia imperfeita permitiu, de modo pacífico, começar a superar a dualidade casa grande - senzala, que sempre marcou a sociedade brasileira, autoritária e desigual. A democracia formal começou a viabilizar a democracia real. Uma democracia que não só acolhe os ritos imprescindíveis à liberdade e à vida democrática, mas torna possível mais igualdade e fraternidade, através da inclusão de milhões de brasileiros, que antes viviam excluídos das oportunidades da sociedade contemporânea. Hoje tudo isto sofre grave perigo. A democracia foi brutalmente atingida com a interrupção da escolha de governantes pelo soberano voto popular, através de um duvidoso processo de “impeachment”, operado por um congresso com amplos setores corrompidos e comandado por atores políticos acusados ou respondendo por diversos crimes, inclusive corrupção. O clima de ódio, construído e difundido, igualmente coloca em risco a existência da democracia. A divergência de ideias e opiniões não pode ser degradada no desrespeito por visões diferentes, nem ser calada pela violência. A construção cotidiana do ódio, fabricado por atores instalados na grande mídia, no campo político e no judiciário, presta enorme desserviço à vida democrática. A disseminação do ódio pode levar a procedimentos autoritários: transformar adversários em inimigos e destruí-los pela violência física e simbólica, além de transformar pessoas, antes pacificas e tranquilas, em seres brutais, raivosos e violentos. O fascismo, nazismo e stalinismo operaram com pessoas que não professavam tais ideologias, mas que foram contaminadas pelo ódio por eles inoculado. O tema da corrupção foi instrumentalizado para fabricar ódio. Ele foi cotidianamente difundido. Ele desqualifica e destrói adversários políticos. Não por acaso, na história do Brasil todos os governantes não alinhados, em plenitude, com as elites sofreram fortes acusações de corrupção: Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart. Não dá para acreditar que nos demais governos ela não existiu. Todas pessoas sérias sabem que nossa história traz, infelizmente, a marca da corrupção. A utilização seletiva do combate à corrupção, ao denunciar e perseguir alguns, mas esconder e proteger outros, coloca em cheque a verdadeira luta contra a corrupção, que deve atingir a todos implicados indistintamente. A exigência democrática de tratamento igual para todos impõe que algumas questões sejam devidamente esclarecidas pelo Supremo Tribunal Federal. Por que o afastamento de Eduardo Cunha só aconteceu depois dele comandar o processo do “impeachment”? Por que ministros de Temer acusados ou indiciados não foram impedidos de assumir? Por que nenhuma atitude foi tomada em relação as denúncias sobre Romero Jucá antes do “impeachment”? A democracia e todos nós, apesar de momento político, emocional e pessoalmente difícil, somos desafiados a viver e lidar com este contexto. O desafio é imenso. Ele testa até que ponto a sociedade brasileira conseguiu enraizar valores democráticos, pois os avanços existiram, mas ainda foram insuficientes para transformar o Brasil em um país melhor para todos. *Antonio Albino Canelas Rubim é pesquisador do CNPq e do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura e professor do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFBA. Foto: Gleidiçon Rodrigues