Um Congresso pré-eleitoral

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Pela 28ª vez desde a refundação da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1979, a União da Juventude Socialista (UJS), juventude do PCdoB, conquista a maior bancada na diretoria e indica um militante seu ao cargo de presidente da entidade. A chapa vencedora, composta por correntes do movimento estudantil vinculadas também ao PT e ao PMDB foi de longe a que mais levou delegados e militantes para Brasília no 51º Congresso da UNE, que, desta vez, além de decidir a nova diretoria da entidade, acabou também revelando as linhas gerais do debate eleitoral de 2010.

A própria forma como se iniciou o Congresso mostrou que os temas já seriam uma preparatória para o debate eleitoral: a passeata de abertura, que reuniu segundo a UNE em torno de 5 mil participantes dos mais de 10 mil que estiveram presentes em todo o evento, teve como bandeira a defesa do petróleo e da Petrobrás. Das 25 mesas, 14 tratavam de assuntos relativos à política nacional e apenas seis tratavam de assuntos exclusivos da pauta do movimento estudantil, como o debate sobre a restrição da meia-entrada, a assistência ao estudante, o ensino a distância, a reforma universitária e a regulamentação do ensino privado.

Nas plateias das mesas, uma maioria de jovens militantes de partidos da base aliada do governo, como PCdoB e PSB, além de militantes do próprio PT, aplaudia os debatedores e, entre um e outro, levantavam gritos de apoio a Lula, Dilma e inclusive a Ciro Gomes, que esteve em um dos debates. Nas mesas sobre políticas educacionais, programas do governo como o ProUni, o ReUni, a Universidade Aberta do Brasil (UAB) eram aclamados. A UNE coloca em seus informes – e deixou isso bem claro nas plenárias – que as políticas para o ensino superior do atual governo são verdadeiras conquistas do movimento estudantil.

Reforma Universitária
“Defendemos o ReUni porque ele garante a expansão de vagas, uma luta histórica do movimento estudantil. A qualidade está já assegurada porque hoje a universidade produz conhecimento e pesquisa de alto nível. Temos é que lutar pela democratização da universidade”, argumenta Lucia Stumpf, atual presidente da entidade.

A defesa do ProUni pela entidade segue a mesma linha. “É um programa que garante emergencialmente uma demanda. A isenção de impostos às instituições de ensino superior privadas já era dada, esses impostos já não eram pagos [hiperlink: Um acórdão no STF de 1991 passou a garantir a isenção de impostos das instituições de ensino superior privadas, que funcionavam sem pagar um centavo de imposto de renda ao governo]. Só que antes não havia a contrapartida da concessão de bolsas”, diz Lucia. A bandeira da UNE agora é o aumento das vagas o programa em pelo menos 20%. “É preciso agora que o ProUni se associe à assistência estudantil para ser mais efetivo”, coloca como exigência da entidade ao governo. Uma das propostas de consenso entre todas as forças políticas do congresso foi a defesa do auxílio-moradia ou de vagas em residências universitárias para estudantes do programa oriundos de municípios que não o da faculdade em que estuda.

Este parece foi um dos poucos consensos entre todos os participantes do Congresso. A Oposição de Esquerda, grupo de correntes do movimento estudantil de oposição à direção majoritária, questiona os programas de expansão de vaga do governo temendo pelo não acompanhamento da qualidade dos cursos. Para esses grupos, a ação não tem levado em conta a expansão proporcional da assistência estudantil, a infra-estrutura, a contratação de professores e a garantia do tripé ensino, pesquisa e extensão.

Mas o debate não é tão simples. De 2005, quando foi implementado, até agora, o ProUni já foi responsável pela inclusão de 680 mil jovens no ensino superior. Por conta dos resultados, o programa tem tudo para ser uma das principais vitórias a ser cantada no debate eleitoral de 2010. Para os críticos do projeto, como o estudante Luan Cupolillo, “dá para criar vagas em universidades públicas com esse dinheiro”. De acordo com um estudo da Associação de Docentes da USP (Adusp), com a verba que o governo deixa de arrecadar da isenção de imposto de renda para abrir uma vaga de ensino superior em uma instituição privada seria possível abrir três vagas no ensino público.

Os dados deram base para as críticas dos grupos da oposição de esquerda levantarem como bandeira o fim dos projetos atuais, em nome da priorização dos investimentos na universidade pública. “O filho do pedreiro também pode estudar na universidade pública”, responde Nathalie Drumond, estudante da USP, ao argumento de que o incentivo governamental às instituições privadas de ensino abre oportunidades aos mais pobres.

Discursos pré-eleitorais
Entre as polêmicas levantadas, os debates mais acalorados acabaram girando em torno das questões nacionais e no apoio ou não ao governo Lula. Os grupos da oposição pressionaram tanto nos debates como nas plenárias e nos próprios corredores da UnB para que a UNE aderisse ao movimento “Fora Sarney”. A bandeira, apesar de ser discutida dentro das próprias correntes de esquerda, acabava ganhando simpatia inclusive de membros de juventudes da base aliada do governo, como no caso da JSB, Juventude Socialista Brasileira, ligada ao PSB.

Augusto reconhece que o debate sobre as questões nacionais foram as mais polêmicas do congresso, mas acredita que a juventude o PCdoB tenha construído uma opinião sólida e coerente. Para Tales de Castro, atual vice-presidente da UNE, o debate sobre a crise no Senado tem que ir além. “Não defendemos o Fora Sarney ou o Fica Sarney. Não queremos desgastar a instituição, o Senado apresenta problemas que vem lá com o FHC”.

A divisão do foco das juventudes dos partidos já dá o tom de quais serão os discursos que guiarão o debate eleitoral em 2010, mesmo Chagas já tendo afirmado que a UNE não apoiará nenhum candidato específico. Para os apoiadores do governo, os avanços contra a exclusão do povo pobre e sua ascensão social são motivos suficientes para a adesão à candidatura de Dilma, e rachar a esquerda agora pode oferecer munições para o retorno de políticas conservadoras. Para os que fizeram oposição, os últimos sete anos não conseguiram se desvincular das políticas neoliberais de redução dos direitos dos trabalhadores e crescimento do grande capital em detrimento da área pública. “O congresso refletiu a base social que os partidos da base aliada do governo tem Brasil afora. Uma base que se sensibiliza com as políticas ‘socio-neoliberais’, mas que sente que essas políticas não são suficientes”, analisa Nathalie. “Com o tempo essas contradições tendem a se acirrar”.

Apesar de alguns consensos, como o rechaço à presença das tropas brasileiras no Haiti e ao golpe em Honduras, a defesa da Petrobrás, a luta pela manutenção dos empregos frente à crise e inclusive a luta pelo fim da Desvinculação das Receitas da União (DRU), as diferenças de opinião quanto às políticas para o ensino superior demonstram o racha das forças de esquerda atuais. Resta saber se esse racha irá fortalecer as políticas conservadoras ou aprofundar o debate sobre os caminhos das políticas públicas adotadas até então.

Resultado da eleição Foram mais de 1300 eleições para delegados em todo o país em mais de 92% das instituições de ensino superior, segundo dados da UNE. Foram eleitos mais de 5200 delegados. Porém, apenas 2809 votaram para escolher a chapa que dirigiria a UNE pelos próximos dois anos, número menor que o de votantes no Conune de 2007, quando 2526 delegados votaram. Apesar da redução do número de votantes, a chapa encabeçada pela UJS manteve quase a mesma proporção de votos: 71,8%, ante 72% em 2007. Em segundo lugar ficou a chapa Oposição de Esquerda, com 14,5% dos votos, seguido pela chapa encabeçada pela Juventude do PT, com 12,6%. A diretoria é composta proporcionalmente ao número de votos de cada chapa, sendo 80 cargos na diretoria plena e 20 na diretoria executiva. A posse ocorrerá dia 11 de agosto. Até lá as chapas discutirão internamente quais nomes indicar para os cargos conquistados.

Cobertura parcial Alheia a toda essa discussão interna esteve a imprensa, que não deixou de tentar caracterizar o evento como uma proteção ao governo e à Petrobrás somente porque estava sendo patrocinado pela estatal. Augusto Chagas, presidente eleito da entidade, afirmou que é a favor da destinação de recursos públicos para a UNE, não vê tentativa de interferência do governo na entidade e lembra da campanha pela saída de Henrique Meirelles da presidência do Banco Central, indicado pelo atual governo. “É uma grosseria dizer que as pautas estão vinculadas ao governo por causa do financiamento”, afirma.

Essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum de agosto. Nas bancas.