Unidade da esquerda, necessária à democracia; por Maria do Rosário

Ou se nacionaliza o debate e se pauta a consciência pública em todo o país, ou se assistirá a uma derrota política na medida em que nenhum gestor municipal conseguirá encontrar saídas aos problemas impostos nas cidades dentro do paradigma vigente no Brasil

A deputada Maria do Rosário acredita na construção imediata da unidade da esquerda - Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
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Por Maria do Rosário* Construir a unidade da esquerda brasileira é fundamental para estabelecer um ciclo político alternativo à incivilidade que se apoderou da República. Mais que uma necessidade, é um fato que surge do imperativo de resistir e lutar. Felizmente, a ideia de unir, além de inspirar lideranças políticas, artistas, intelectuais, movimentos sociais e populares, já é uma realidade que percebemos hoje e está sendo construída nas bases da sociedade. Seja em torno da melhoria da qualidade de vida, pela retomada das políticas justas ou pelo emprego, a convergência das esquerdas é uma condição para a democracia. A unidade das esquerdas já é, em parte, um fato, na medida em que existe uma ação acertada nacionalmente com seis partidos - PT, PDT, PSB, PCdoB, PSOL e PCO - com programas convergentes no repúdio aos efeitos desastrosos do Golpe de 2016, agravados pela perseguição política contra Lula, condenado injustamente sem o devido processo legal, e a controversa eleição presidencial, ao que tudo indica, contaminada.

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Isso é fundamental, visto que os mesmos que fraudaram as eleições em 2018 já falam nas eleições de 2022 com desfaçatez. São profundamente autoritários, mas defendem os processos eleitorais, pois, possivelmente, planejam usar as mesmas estratégias, um replay do ano que passou, com o uso das fake news e outros métodos imorais, hoje conhecidos de todos nós. Assim como começou, essa unidade da esquerda deve pensar o local a partir de uma visão comum sobre o país e os desafios políticos que se apresentam. Até o momento, as agremiações têm conseguido atuar conjuntamente em lutas mais institucionais e em frentes de massa que ocupam as ruas do país, com pautas que vão da campanha pela liberdade de Lula à defesa da Amazônia, da educação pública à defesa da cultura, dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras ao respeito às mulheres. Avanço importante, mas ainda insuficiente. O próximo passo deve, necessariamente, privilegiar a nacionalização do debate, por dois motivos robustos. O primeiro deles é de caráter político, dado que os efeitos da jamais vista retirada de direitos - que vai do congelamento dos gastos públicos no período de Temer, passando pelas alterações trabalhistas e previdenciárias e se desdobra em ações diárias de sacrifícios econômicos e sociais à população - têm dimensão nacional, mesmo que sentidos localmente, nos municípios. Ou se nacionaliza o debate e se pauta a consciência pública em todo o país, ou se assistirá a uma derrota política na medida em que nenhum gestor municipal, por melhor que seja, conseguirá encontrar saídas adequadas aos problemas impostos nas cidades dentro do paradigma vigente no Brasil. Estados e municípios estão “quebrados” e submetem-se cada vez mais aos ditames do governo federal, que exige mais entrega do patrimônio, maior redução na oferta de serviços públicos, reduz direitos de servidores e arrocha salários e aposentadorias. O segundo motivo é pragmático, dado que o debate isolado localmente - cada município ou capital – não altera o quadro nacional. Embora a pauta local seja fundamental, ela encontra nexo ao articular-se com um plano amplo de mudanças. Assim, é possível, com um plano unificado, que uma virada política no país surja já a partir do enfrentamento de contradições locais, pois as mesmas são fruto de projetos nacionais de caráter entreguista e autoritário. Posicionamentos nacionais, agenda nítida e pactuada, alianças cujas composições sejam inspiradas por novas formas de protagonismo compartilhado e uma estratégia unificada são o caminho. Sem suprimir o debate local, é necessário montar um mapa geral, com cenários diversos, onde, por exemplo, se possa considerar em Porto Alegre o nome de Manuela D’Ávila, pelo PCdoB; no Rio de Janeiro, o de Marcelo Freixo, pelo PSOL; em Salvador e em São Paulo, nomes importantes do PT, em outros locais PSB, PDT e, assim, sucessivamente, compor um quadro múltiplo e convergente. Em Porto Alegre, o PT tem investido nesse diálogo entre os partidos de esquerda, bem como elaborado um chamamento conjunto de reuniões populares para articular candidaturas às eleições do ano que vem, o que, por outro lado, não substitui a articulação nacional. Ao contrário, os movimentos locais poderiam ser reforçados caso a esquerda, nacionalmente, aprofunde a pauta da unidade e seus necessários desdobramentos. O momento é propício e reforça a importância desse movimento, especialmente porque o campo conservador está dividido em um cenário de desastre político que envolve diferentes interesses. Exemplo disso é o escandaloso padrão de relação e ameaças dentro do partido do Clã Bolsonaro, que estabelece enormes dificuldades para viabilizar o projeto para o qual foi eleito. Neste bloco os interesses são evidentes: disputa pelo poder e programas de ajuste, redução do papel do Estado e concentração de renda que beneficiam exclusivamente o capital financeiro. Seu método tem uma dimensão autoritária, além de aproveitar a insegurança do povo para fomentar mais o medo, o moralismo vazio e o palanque permanente. É preciso ter atenção em relação a este governo e a outros similares, de caráter ultraconservador e autoritário em nossa região latino-americana, já que é possível, como têm dito as jovens estudantes em luta no Chile, “transformar o medo em luta” e realizar rupturas com esses governos pela vontade popular. Aí reside, para nós, a dimensão da democracia, tendo como elemento básico eleições livres e limpas, o fim da perseguição a lideranças políticas e do uso criminoso das redes sociais, entre outros condicionantes da democracia. A esquerda brasileira tem um programa generoso a oferecer, de cunho social, inclusivo e solidário, indo ao encontro de bandeiras históricas de trabalhadores e trabalhadoras, estudantes, jovens, mulheres e setores médios da sociedade. Inclusive, daqueles que se iludiram com Bolsonaro e hoje se veem frente a perdas de direitos que lhes afeta. Por isso tudo e muito mais, acreditamos que a construção imediata da unidade nacional deixa de ser um desejo para tornar-se uma necessidade e uma viabilidade. *Maria do Rosário é deputada federal pelo PT-RS e cientista política.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.