"Você está demitido"

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Negociação de demissão, 80% do FGTS, 20% de multa rescisória, contrato em PJ... Confira como seria um breve diálogo entre patrão e empregado em tempos de reforma trabalhista e terceirização, por Camilo Vannuchi  Por Camilo Vannuchi, em seu Facebook VOCÊ ESTÁ DEMITIDO - Você está demitido. - Virge santíssima, não brinca assim. - É sério. Você está demitido. - Nossa! Mas de uma hora pra outra? - Sabe como é, a empresa vai passar por uma reestruturação. - Puxa, eu trabalho há 27 anos aqui, nunca trabalhei em outro lugar. - Pois é. Chamei o senhor aqui para negociar. - Negociar o quê? - Os termos da demissão em comum acordo. - Como assim? Não tem nada de comum acordo. Estou sendo demitido. E sem justa causa. - A causa é justa, na verdade. Entenda. É a crise. Mas de fato não podemos caracterizar como justa causa. Uma pena. - Então não tem o que negociar. - Sabe o que é? A gente quer contar com o senhor no futuro. Como colaborador, entende? - Não. Não entendo. - Seus serviços. O senhor desempenha uma função essencial para os nossos negócios, e não podemos deixá-lo na mão. Acredito que possamos entrar num acordo para terceirizar você assim que a lei permitir. - E quando vai ser isso? - Daqui a 18 meses. É o que está na nova lei. Quarentena para migrar de contrato por tempo indeterminado para contrato intermitente. - Dezoito meses? E como eu vivo até lá? - Veja bem, tenho certeza que o senhor vai saber se virar. Não faltarão oportunidades. - Aos 46 anos? Sei... - Ah, não fala assim. Você está no auge. Não é toda companhia que pode contar com a sua experiência. E você ainda pode pegar um trabalho por produção... - Produção? - É, ora. A empresa paga você pelo que você produzir. E você se vira com o resto. Não precisa bater ponto nem nada. Muito mais fácil assim, sem transporte, sem alimentação, sem estação de trabalho... Por até 17 meses. - Dezessete meses? - Isso. É a lei. Para não incidirem impostos e para você não sacar o seguro desemprego. Mas isso é outro assunto. Não se preocupe com isso agora. - Caramba. Estou chocado. Minhas mãos estão até tremendo. Tem o financiamento da casa, a faculdade da Ana, o colégio do Edu. - Toma um gole d'água. Melhorou? - Bom, pelo menos vou poder sacar o FGTS até me acertar. - 80%. - Como? - 80% do FGTS. É o que estabelece a nova lei. Se fizermos um acordo, você poderá retirar 80% do FGTS. - Meu Deus... Ainda bem que tem 40% de multa rescisória. - 20%. - Como? - 20% de multa. É o que diz a nova lei. Se fizermos um acordo, a empresa paga 20% da multa. Sobre 80% do fundo, é claro. É justo. É a metade entre zero e 40%. Todos ganham. - Todos ganham? Como assim, todos ganham? E se eu não quiser fazer acordo nenhum? - Aí será mesmo uma pena, porque nunca mais vamos contratar você como PJ. - Mas esse acordo, vou consultar o sindicato. - Não adianta. - Como? - Não adianta. É o que determina a nova lei. Os acordos individuais entre patrão e empregado valem mais do que as convenções e os acordos coletivos. - Rapaz... mas a legislação... - Esquece. - Como? - Esquece a legislação. Está na lei. Os acordos entre patrão e empregado valem mais do que a legislação. - Não é possível! Não foi para isso que eu fui a dezenas de assembléias, não foi para isso que eu me sindicalizei, nem é pra isso que pagamos a contribuição compulsória. - Acabou. - O quê? - A contribuição sindical obrigatória. Não é incrível? Finalmente. Bando de sanguessugas. Repara como essa reforma é boa. Você não vai mais precisar pagar a contribuição sindical. Taí um Congresso Nacional que defende o trabalhador.