Ai de ti, Brasil, sem professor!

Luiz Roberto Alves: “Tamanha foi a armadilha posta contra ambos que a partir de certo momento um ficou reclamando do outro (“aluno não sabe nada”, “professor não sabe ensinar”) e a mediocridade social tornou invisível o bem-comum primeiro da democracia, a educação”

Foto: Agência Brasil
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Será que esgotamos todo o discurso racional sobre a desvalorização social e funcional do professor e da professora na história contemporânea do Brasil? Será que a racionalidade que vem do manifesto dos Pioneiros de 1932, passa pelas LDBs, corre pelas Diretrizes Nacionais e chega ao Plano Nacional da Educação esgotou sua verdade? E a verdade é que não há educação sem professor, professora, exatamente porque ele/ela representam a geração adulta no estímulo, na passagem cultural e no acompanhamento da nova geração. O professor é o eu ou o outro na comunhão essencial que leva à construção do bem-comum superior da sociedade democrática, que é a educação de suas gerações. Dito isso, pensando nos professores de todos os níveis e etapas, cabe pensar nos 2 milhões que trabalham na educação básica, pois eles são a metáfora do fenômeno que aqui se quer analisar e encaminhar. Um fenômeno faz compreender o outro, dadas as profundas relações entre a educação básica e a superior. O esgotamento da fala e da escritura racionais sobre a função social e educacional do professor parece ter encontrado terreno fértil na grande abertura, cinco décadas atrás, de vagas para os meninos e as meninas do povo brasileiro sem o acompanhamento dos investimentos adequados e o rigor formativo da universidade. Conhecemos bem os dados dessa história. No entanto, há mais, no Brasil e no mundo, depois dos anos de 1960. A juventude criticou duramente as estruturas da escola básica e da universidade e deixou professores desnorteados acerca do seu papel formador; a par disso, dá-se a perda de valor da cultura acadêmica e da cultura da leitura-escrita na sociedade invadida pela indústria cultural, acrescida pela censura e pelo estímulo aos individualismos do ter em detrimento do ser. Tudo isso deságua em um acordo medíocre da escola de educação básica e, em certa medida, da educação superior: o ensinar e o aprender implicam em cumprir programas, sofrer vigilâncias e contínuas censuras, ver o salário rebaixado em nome da grandeza numérica dos “direitos” das criança e reagir pontualmente a cada novo ato de desvalorização.. Irmã Dulce, agora Santa do Brasil, gostava de argumentar sobre o dar e o doar. Uma coisa é dar um pão e andar, seguir o seu caminho. Outra é comprometer-se com o ajudado. Receber milhões de alunos nas escolas, um direito certamente, mas simultaneamente colocar em liquidação a qualidade social do ensino implica no grave erro preconizado por Dulce. Vale destacar que a deterioração do ato de educar que vivemos não foi um fenômeno exclusivo da desvalorização do professor. O que se deu foi a invasão dos negócios econômicos e políticos entendidos no Brasil como promissores e a compreensão de educação como detalhe, necessidade circunstancial, uso de currículos da moda, talvez uma estratégia política, mas não determinante do verdadeiro desenvolvimento do país em suas diferenças e desigualdades. No meio desse processo, um dos seres indispensáveis para a educação caiu de seu papel cultural básico. Os estudantes caíram com ele, pois a vocação de ambos fora, sempre, a comunhão criativa. Tamanha foi a armadilha posta contra ambos que a partir de certo momento um ficou reclamando do outro (“aluno não sabe nada”, “professor não sabe ensinar”) e a mediocridade social tornou invisível o bem-comum primeiro da democracia, a educação. Não há que ter saudades de um tempo elitista de rigor e competência no mundo escolar. O tempo não parou para nós e crescemos. Fomos 40 milhões de habitantes nos anos de trinta do século anterior e hoje chegamos a 209 milhões. O que parou foi a capacidade da sociedade brasileira de inovar no que é fundante, isto é, educar com qualidade suas gerações.  Chegados, então, a este momento histórico de sociedade brutalmente partidarista, exibidora de ídolos, ignorante das ciências e dia a dia mais injusta, o que esperar da valorização do professor? Não faltaram, pois, ideias racionais e justas. Todo o título VI da LDB, 1996, com base constitucional, dá direção segura sobre a formação dos professores e professoras, tratados adequadamente como profissionais da educação. Reconheça-se que o novo título não significou muito. Antes, em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova instituíra, sem dúvidas, que a formação mais importante, entre os profissionais de uma sociedade, é a do professor e, portanto, deveria a universidade se esmerar no cuidado de sua formação. Segue-se que no Plano Nacional de Educação, 2014-2024, precedido pela grande contribuição das conferências brasileiras de educação, nenhuma das vinte metas pode ser cumprida sem professor bem formado e socialmente valorizado. A Meta 15 expõe a exigência de uma política nacional de formação, que seria criada um ano depois de sua promulgação. Quem poderia imaginar que o PNE, violentado pela sociedade ignorante e de valores invertidos, seria cumprido nessa meta? Pois foi e sejamos justos. Os conselheiros do CNE escreveram em 2015 o excelente documento denominado Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica. Tal documento foi homologado junto ao MEC em 24 de junho de 2015. Nele estava escrita uma política nacional de formação. No mínimo (para nosso horror, no máximo) pode estar nalguma gaveta do MEC. Por que não arrancá-la de lá? A racionalidade valerá depois do ato central de consciência. O tempo medíocre sugere sua reversão. Antigo ditado diz que a queda traz em si a ressurreição. Agora é hora de crer que educação não é tática nem estratégia; é princípio da sociedade viva e democrática e que os seres fundamentais da educação, aluno-professor (diferentes no território e únicos no sentido do bem-comum), demandam o máximo de investimento social, recursos e cuidados, sem comparações eivadas de vícios de lucro e capital, pois nesses investimentos indisputáveis está a resposta para o que nos faz sofrer e que não alcançaremos com reformas superficiais de estruturas e equipamentos sociais. O que nos faz sofrer é um ato de Sísifo, a não educação, isto é, você parece avançar, subir, mas retrocede em democracia e desenvolvimento, como ocorre periodicamente no Brasil. As supostas mudanças deixam quase tudo como era antes. Ao contrário, a certeza no grande investimento professor-aluno só nos levará a ganhos, materiais e imateriais, de igual importância. E alegria, murmúrio de gente nova, encontros de gerações, vida no movimento do mundo.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.