Bolsonaro e a lógica do “governo sitiado”

Rodrigo Vianna: “As manifestações do dia 26 podem ser o termômetro para se saber se o capitão terá forças para resistir, ainda que isolado das elites tradicionais”

Foto: Arquivo/ Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil
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Pesquisa da XP, ligada ao mercado financeiro, indica que a desaprovação a Bolsonaro pela primeira vez ultrapassou a aprovação. O índice de Ruim/Péssimo cresceu quase vinte pontos, passando de 17% para 36% em apenas três meses. No mesmo período, o índice de Ótimo/Bom recuou de 40% para 31%. [caption id="attachment_175136" align="alignnone" width="600"] Foto: Reprodução[/caption] É uma queda brutal para um governo em primeiro mandato. Mas chama a atenção que o Ótimo/Bom esteja caindo num ritmo bem mais lento do que o aumento do Ruim/Péssimo. Isso parece indicar que há um “núcleo duro” do bolsonarismo - que tende a resistir ao lado dele, não importa que barbaridades o governo cometa. Aliás, esse núcleo - que segundo alguns analistas estaria entre 20% e 30% do eleitorado, representando aquele setor ultrarradical que já estava com Bolsonaro antes da facada de Juiz de Fora - tende a ficar ainda mais ferrenho quanto mais Bolsonaro se refugiar na pauta das armas, dos costumes e das loucuras da “guerra cultural” e religiosa. As manifestações de domingo serão um bom termômetro pra medir isso. A direita, dessa vez, estará desfalcada: MBL, Vem pra Rua, Globo, tucanos e liberais de uma forma geral não endossam os ataques ao Congresso e ao STF que são o centro da convocação do dia 26 de Maio. Ainda assim, Bolsonaro e seus asseclas podem levar gente pra rua. Minha aposta não é de que teremos um “mico” total, como apostam alguns. O mais provável é que vejamos manifestações menores do que as de 2015, mas ainda assim tão fanatizadas quanto as patrocinadas pela direita desde o estouro da boiada contra Dilma. A turma do dinheiro, o que sobrou da mídia grande (Globo/Folha/UOL), empresários e parte da classe média já perceberam que Bolsonaro é incompatível com uma agenda de reformas que traga “estabilidade” ao país. A classe política tradicional, sob comando de Rodrigo Maia e Alcolumbre, tem diagnóstico semelhante. Mas somando todos os diagnósticos o fato é que a chamada “centro-direita” não sabe o que fazer com o “capetão”. Mesmo Paulo Guedes, que deu uma entrevista desastrosa, apelando para a chantagem (“aprovem a minha Reforma ou vou embora”), começa a ser visto como um estorvo a médio prazo. Por enquanto, os liberais se dão por satisfeitos com sinais de armistício que surgem do Planalto. Ainda que se saiba que Bolsonaro jamais se deixará domar. A lógica do movimento que o levou ao poder é o conflito permanente, a guerra, a construção dos inimigos internos. Os dias se sucedem com tensão e sinais de que haverá algum tipo de composição - sensação que é logo superada por novas declarações desastrosas/provocativas de Bolsonaro e seus asseclas. Crescem, por isso, os murmúrios de preocupação entre a turma da grana. “Que Fazer?” Dessa vez não é Lenin quem procura respostas. Mas a família Marinho e o que restou da patética burguesia nacional... O país, além de tudo, vive um paradoxo: - a centro-direita quer se livrar de Bolsonaro (antes da Reforma da Previdência? Ou logo após?), mas não tem gente pra colocar na rua e derrubar o governo; - a esquerda e os movimentos sociais, ao contrário, mostram que têm gente pra levar às ruas, mas não estão dispostos a derrubar Bolsonaro. Nos sonhos da direita não bolsonariana, os estudantes e os movimentos colocariam Bolsonaro nas cordas, ajudando a parir um governo conservador mais “normal” - sob a batuta de generais e banqueiros. O PT e as demais forças de centro-esquerda já compreenderam que derrubar Bolsonaro serviria para consolidar um governo de direita muito mais organizado do que esse estapafúrdio ajuntamento de Damares, Ernestos e Weintraubs. Sem dizer que um novo impeachment tornaria ainda mais banal o apelo ao “golpismo institucional” - que já vitimou Dilma. O melhor é aguardar os quatro anos, derrotar Bolsonaro no que for possível, no Parlamento e nas ruas, e construir uma Frente Democrática para 2020, pensando depois em 2022. No papel, esse é o jogo. Mas o país aguentará quatro anos de infâmia e destruição? A economia deu já vários sinais de retração (os números do emprego, em recuperação em abril, são um ponto fora da curva). Mas não há indícios, em nenhum setor, de recuperação robusta. O primarismo ultraliberal de Guedes e seus garotos atua de forma perversa, acelerando o ciclo recessivo. Nos últimos quatro anos (desde que Dilma cometeu o erro de levar Levy à Fazenda em 2015), o país só respirou um pouco quando Temer saiu da ortodoxia e liberou o dinheiro do FGTS para o consumo. Só que não há mais coelhos pra tirar da cartola. Um retorno radical a algum tipo de keynesianismo na economia (com incentivo ao emprego, ao consumo e à demanda) seria a única forma de impedir o país de caminhar para a insolvência. O país precisa pactuar um novo ciclo de desenvolvimento. Quem poderia liderar esse pacto está preso. Seria possível imaginar que, pela primeira vez, a saída não se dará num pacto pelo alto, mas no combate aberto das forças políticas? Banqueiros e empresários (incluindo os da Comunicação) estão preocupados. Deles pode vir uma saída precipitada, para emparedar Bolsonaro - se o “capetão” e Guedes insistirem nas loucuras e chantagens. A parte majoritária da esquerda, corretamente, prefere apostar no acúmulo de forças e não em pactos inócuos. Se Bolsonaro mostrar (alguma) força domingo, o quadro ficará ainda mais perigoso. Sobretudo porque os fantasmas de Queiroz e dos milicianos cariocas vieram pra ficar. Bolsonaro tende a se refugiar na retórica de um governo sitiado, cercado de inimigos. Com 20% ou 30% de apoio na sociedade, não conseguirá governar assim, mas conseguirá resistir - arrastando o Brasil para o imponderável.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.