Comunistas liberais e liberais comunistas: como a direita reinterpretou a luta de classes

Para se popularizar a esquerda adota a questão moral e de identidade, enquanto a direita adota a luta de classes. Que ironia: comunistas sendo liberais e liberais comunistas

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Os bolsominions acham que Bolsonaro pode fazer qualquer coisa já que foi “provado” pela Lava Jato que Lula é criminoso. Não importa Queiroz, ser vizinho de traficante de armas, ter drogas no avião etc. Nada disso é chocante, já que o ladrão é Lula. As revelações da Vaza Jato pouco importam, já que não há como comprovar a alteração dos diálogos. Mas a esquerda (erradamente) se fecha a essa questão. Desperdiça sua esperança. Torce para que a Justiça, os mesmos que agiram injustamente, façam a coisa certa. As massas não se importam com a injustiça. Ou melhor, elas só se preocupam quando o seu dinheiro é roubado. A direita conseguiu apropriar-se desse lugar acusatório. De modo que a esquerda pode lançar o argumento que quiser; jamais irá superar a ideia do roubo, da corrupção etc. A maior imoralidade no sistema capitalista é o roubo. Há  muitos anos atrás, o pior crime era aquele cometido contra a vida. Mas as coisas mudaram. O capitalismo tornou a propriedade algo mais sagrado que a vida. A maneira mais fácil de persuadir o povo - enquanto massa - a seguir um certo caminho, é apontar o ladrão, o chefe da quadrilha. Lógico que os dedos jamais apontariam para o verdadeiro, pois o sistema iria a ruínas. As classes dominantes, fazendo uso dos principais aparelhos ideológicos (Judiciário, mídia, Igrejas etc.), produziram um vilão, o demônio que roubou do povo. Embora tudo tenha se baseado em fatos frágeis, já que possuir um apartamento no Guarujá não é nem um grão de areia do quanto os financistas roubam do povo, os argumentos, o espetáculo, foram imprescindíveis para convencer grande parte da população que os verdadeiros ladrões são Lula e o PT. As pessoas só se movem (principalmente em grupo) quando percebem que estão sendo roubadas. Foi o mesmo que aconteceu com Collor e o escândalo das poupanças. Contudo, elas sabem que estão sendo roubadas o tempo todo, mas precisam de um empurrãozinho para se mover. A vilania tem que ter nome e estar na capa do jornal, precisa estar na moda, espetacularizada pela mídia, pelos jornalistas, e os artistas e pastores das igrejas precisam compartilhar dessa interpretação. Até mesmo o ódio liberado pelos adeptos da direita atual é fruto das lutas de classe. A direita disse que o político que roubou, ou seja, que impediu o avanço das forças produtivas, compactua com as lutas identitárias. Embora já houvesse o preconceito dentro de muitos, foi uma questão de classe, o conflito entre ricos e pobres (reinterpretado pela direita), e até mesmo de quem trabalha e quem não, que trouxe a público todo o ódio moral. Portanto, é uma questão de classe. Embora ainda não em um estágio consciente. A mídia e a burguesia sempre escondem os antagonismos de classe, mas quando quer mobilizar as massas, não pensam duas vezes antes de usá-los. Deste modo a Lava Jato ganhou prestígio popular quando o trabalhador viu políticos e empresários sendo presos. Os vazamentos não convenceram muita gente porque se Lula não for o grande criminoso, quem seria? O povo precisa doe um vilão. Não é necessário nem mesmo devolver a ele o dinheiro roubado, apenas ter alguém preso, acusado de todo o mal que assola a nação. Enfim, se Lula não existisse ele teria que ser inventado. Enquanto isso as esquerdas se recusam a investir nesses antagonismos, criticando o presidente em termos morais. Para se popularizar a esquerda adota a questão moral e de identidade, enquanto a direita adota a luta de classes. Que ironia: comunistas sendo liberais e liberais comunistas. O ataque a Moro não tem nem o odor de uma questão de classe, e isso já é um motivo para que esses vazamentos não desemboquem em uma alteração do caminho que o país vem traçando desde 2016. A esquerda precisa deixar claro o roubo, apontar os verdadeiros ladrões. Toda vez que se trabalha, o operário está sendo roubado; é a parte do tempo que trabalhamos gratuitamente. Todos os objetos do escritório, da linha de montagem, da escola, da delegacia, do hospital... foram pagos integralmente. Mas o trabalho não. O operário (professor, policial, enfermeira etc..) trabalha parte de seu dia para pagar o seu salário e, outra parte, para pagar o patrão. Mas para se trabalhar nesse tempo adicional (tempo roubado) é preciso mais ferramentas, matéria-prima etc. Estas coisas (capital fixo) são pagas integralmente pelo tempo adicional, mas a mão de obra não. Nisto consiste todo o roubo. É a mais-valia. As elites roubaram antes de Lula, durante o governo Lula e agora com Lula na cadeia. Elas sempre roubarão, pois sem o roubo não haveria lucro. Mas esse tipo de roubo jamais será convincente para o trabalhador, já que a Justiça, a mídia e o pastor da igreja não o condenam. Os aparelhos ideológicos criam um paradigma: podemos ser roubados pelos patrões, mas não pelos políticos. Essa ideia só é possível ser aceita porque é inquestionável a lógica de dependência do trabalhador em relação aos patrões. Somos escravos do salário. Mas a verdade é que os patrões dependem dos trabalhadores para viver. Simplesmente pelo fato de que é o trabalhador que vende a crédito sua força de trabalho. “A matéria real do capital investido em salário é o próprio trabalho; a força de trabalho posta em ação, criadora de valor, o trabalho vivo, que o capitalista troca por trabalho materializado e incorpora a seu capital, e sem o qual o valor que ele tem em mãos não  se converteria num valor que se valoriza”, explica Marx no Livro II do O Capital. O operário produz valor. Onde não há trabalhadores não há lucro, pois nenhum objeto terá si valorizado naturalmente. É a ação humana que valoriza o objeto, como a argila nas mãos do escultor. Mas os aparelhos ideológicos escondem essa relação e a invertem, evidenciando que os trabalhadores dependem dos patrões. A ideologia do consumo, do ser bem sucedido, do pai provedor etc., têm uma função alienadora: a de perpetuar a dependência do trabalho em relação ao capital. Mas é o trabalho que gera capital, e não este trabalho. Além disso, o trabalho pode gerar inúmeras coisas que não seja capital, mas a ideologia prende a criatividade humana nas grades do lucro. Libertar o trabalho do capital deve ser a principal meta da esquerda. É desta maneira que o capitalismo será destruído, pois é ele que depende estritamente do trabalhador, e não o contrário. Quando as roupas caírem, perceberemos que, na verdade, os donos eram servos de seus escravos.