Com participação recorde, eleição nos EUA tem cenário diverso e confusão à vista

Leia na coluna Notas Internacionais, de Ana Prestes: Num país rachado e polarizado ao extremo, os nervos estarão à flor da pele amanhã. Há muitas diferenças entre os estados e os perfis de seus eleitores, além de uma afobação generalizada que, ao que tudo indica, tumultuará a divulgação dos resultados.

Foto: USA Today (reprodução)
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- Alguns jornais americanos já dizem que 2020 pode ter a maior participação eleitoral de cidadãs e cidadãos estadunidenses desde 1908. Dados do domingo (1°), do US Election Project, disponível em vários periódicos, apontam que 93.131.017 pessoas já haviam votado. Nas eleições de 2016, foram 136,5 milhões votos registrados ao final do pleito. O total de pessoas que poderiam votar, caso todas se registrassem, seria de 239.274.182. Caso 150 milhões de pessoas votem, esta será a maior participação desde 1908 (eleição que deu a vitória ao republicano William Howard Taft).

- A eleição nos EUA é diferente da brasileira na hora de ser acompanhada. Ela não se dá nacionalmente, de forma direta e com as mesmas regras em todo o território. É como se fosse um conjunto de várias eleições estaduais simultâneas, que ao final darão a composição de um resultado geral. Para termos uma ideia das diferenças que podem haver nas regras de votação em cada estado americano, vejamos o caso dos votos antecipados pelos correios. Há estados, como Nevada, Califórnia, Oregon, Washington, em que qualquer pessoa pode votar pelo correio e as cédulas são enviadas para a casa das pessoas que se registraram para participar. O cidadão preenche a cédula e envia pelo correio. Outros estados, como Delaware, Nebraska, Ohio, Minnesota, também permitem que qualquer pessoa possa votar pelo correio, mas além de se registrar para isto, ela deve fazer um registro específico para esse tipo de voto e só aí receberá as cédulas pelo correio e as postará. Há também aqueles estados, como Maine, New Hampshire, Idaho, Kansas, em que qualquer pessoa pode votar pelo correio, mas nada é enviado diretamente para sua casa. O eleitor precisa se deslocar para se registrar, pegar as cédulas e colocar no correio. E por fim (ufa!), há estados como Indiana, Tennessee, Texas, em você só pode votar pelos correios com uma justificativa válida (maiores de 65, fora do domicílio eleitoral no dia), só que a pandemia não conta como justificativa.

- Outra questão que é diferente nas eleições norte-americanas é o famoso Colégio Eleitoral, que data do nascimento dos EUA e de sua Constituição, de 1789. A eleição para presidente nos EUA se dá de forma indireta. As pessoas elegem delegadas e delegados, os chamados eleitores, que vão compor uma espécie de assembleia nacional (o colégio eleitoral), que por sua vez elegerá o, ou a, presidente. Esse sistema permite que um candidato ou candidata tenha mais votos nas urnas do que seu oponente, mas ainda assim não seja eleito. Na eleição de 2016, por exemplo, Hillary Clinton teve quase três milhões de votos a mais do que Trump, mas não foi eleita presidente. Na história dos EUA, ainda que no começo do século 19 alguns defendessem a eleição presidencial pelo voto popular, preferiu-se estabelecer a eleição indireta principalmente pelo não reconhecimento da cidadania de negros e mulheres. E o curioso é que embora tenham optado por excluir a população escravizada da cidadania eleitoral, na hora de distribuir quantos delegados cada estado teria, por critério populacional, escravos e escravas contavam numericamente. E isso ajudou na eleição de uma sequência de presidentes vindos dos estados escravocratas do Sul, por muito tempo.

- O Colégio Eleitoral é escolhido pelo voto direto na primeira terça-feira de novembro (contando todos os votos enviados ou dados previamente até essa data) e se reúne na primeira segunda-feira após a segunda quarta-feira de dezembro. E como se dá a conta de quantos delegados (ou eleitores) cada estado terá no colégio eleitoral? Dois delegados (referente ao número de senadores) mais o equivalente ao número de deputados ou deputadas eleitas no estado, proporcionalmente ao tamanho da população, validada pelos censos demográficos decenais. Como são 50 estados, são, portanto, 100 (referente ao número de senadores) + 435 (referente ao número de deputadas ou deputados) + 3 (por Washington – Distrito de Columbia), que resultam em 538 eleitores ou delegados. Para se eleger presidente é preciso ter o apoio de 270 delegados ou mais.

- O que acontece se, hipoteticamente, nenhum candidato alcançar os 270 votos necessários no Colégio Eleitoral? A eleição é redirecionada para ser resolvida na Casa dos Representantes (Câmara dos Deputados) e a votação é feita com um voto por estado e ainda assim pode dar em empate: 25 a 25. Daí, a votação segue até chegar a um vencedor.

- Outra questão interessante e que sempre surge, por exemplo, é a da proporcionalidade. Suponhamos que um estado possua o direito de eleger 11 eleitores. Eles serão eleitos de forma proporcional à votação popular, em cada candidato ou o candidato vencedor, ou o vencedor ficará com todos os eleitores? Na esmagadora maioria dos estados, o vencedor leva tudo. Somente os estados de Maine e Nebraska distribuem os eleitores de acordo com a votação que cada candidato recebeu. Isso cria discrepâncias importantes entre estados com populações de tamanhos muito diferentes, gerando situações como a que citei acima, envolvendo Hillary Clinton, que ganhou no voto popular em 2016, mas perdeu no Colégio Eleitoral.

- Vejamos agora algumas particularidades da eleição de 2020 que culmina amanhã, 03 de novembro. Alguns estados estão na condição dos chamados Toss Up States (podem ter qualquer resultado, como uma moeda jogada ao ar e que não se sabe com qual face para cima ela cairá). Ohio – elege 18 delegados e as pesquisas apontam 49% das intenções de voto para cada candidato; Iowa – com 6 delegados e 49% a 49%; Carolina do Norte, 15 delegados e 50% para Biden e 48% para Trump; Arizona, que soma 11 delegados e mostra 51% para Biden e 46% para Trump; Georgia, 16 delegados com 50% para Biden e 47% para Trump e a Flórida, que conta com 29 delegados e, segundo as sondagens, 51% para Biden e 47% para Trump.

- Além dos Toss Up States, é preciso entender também os Swing States (estados que tradicionalmente têm resultados imprevisíveis). Há ainda os chamados Battleground States (em uma alusão a campos de batalha, onde a disputa se dá ferrenhamente). Esse ano, os Swing States são, de forma mais ampla, Arizona, Flórida, Georgia, Iowa, Michigan, Minnesota, Carolina do Norte, Ohio, Pensilvânia, Texas e Wisconsin. Em 2016, Trump venceu em todos eles, exceto em Minnesota. Desses estados, já vimos acima que alguns deles são Toss Up States. Parte dos analistas está afunilando para seis estados os que devem ser acompanhados como swing states, que seriam Carolina do Norte, Flórida, Pensilvânia, Michigan, Arizona e Wisconsin.

- Há analistas que também têm apontado que os resultados da Flórida, Geórgia e Carolina do Norte, os primeiros com resultados divulgados, como os locais que darão pistas muito importantes sobre essas eleições, já logo ao final do dia 03. Se qualquer um destes estados der vitória aos democratas antes da meia noite, já poderemos ter uma ideia ou um prognóstico mais próximo para uma derrota ou não de Donald Trump. Isso porque outros estados importantes, como a Pensilvânia, não contarão seus votos recebidos pelo correio até que todos os votos sejam dados ainda em 03 de novembro. Esses votos enviados pelos correios (mesmo os que chegarem depois da data final) serão contados ao longo da semana (garantido pela Suprema Corte) e há diferença entre os que votam presencialmente (majoritariamente pró-Trump) e os que votam pelo correio (majoritariamente pró-Biden), segundo diferenças apontadas pelas pesquisas de opinião feitas naquele estado. Esses votos pelo correio ainda vão dar muito que falar no período pós-eleitoral. Na Califórnia, por exemplo, as cédulas enviadas pelo correio serão aguardadas até 12 de novembro. Ontem, segunda (02), Trump disse, por exemplo, que “na era moderna do computador” não faz sentido o resultado demorar dias. Ele quer se declarar vencedor ainda na noite de terça.

- Vale ressaltar que a Pensilvânia, o estado que pode transformar a apuração eleitoral em um pesadelo, foi também o lugar que presenciou a última execução de um jovem negro (27 anos) por policiais brancos na frente de sua família, Walter Wallace Jr.

- No final do dia 03 de novembro, a partir das 20 horas, estarei ao vivo com a equipe da Revista Fórum, acompanhando os resultados eleitorais nos EUA.

*Distrito de Columbia, que não é um estado com autonomia política, possui três delegados.