Bolsonaro nunca foi a primeira opção das elites. Assim como Collor lá atrás não o fora.
Bolsonaro e Collor são daqueles golpes dos espasmos históricos, que fazem figuras medíocres ascenderam ao poder. (Justiça feita a Collor, ele era relativamente mais letrado do que o atual presidente miliciano).
Ocorre que toda vez que o neo ou ultraliberalismo se encontra na curva histórica de ter de colocar a crise (e não a solução dela) como receita, ele perde apoio popular.
O capitalismo é popular quando vende vantagens ou promessas de sucesso: meritocracia, American way of life etc.
O capitalismo em crise não tem apelo popular e muito menos eleitoral. Por isso, ele precisa se valer quase da sua antítese histórica, ele precisa se valer da fé e da virtude de sacrifícios.
E vejam só que ironia histórica: se lá atrás a Reforma Protestante foi tangida, à luz da ascensão da burguesia, para se contrapor ao ascetismo católico como a teologia da salvação e do sucesso individual, hoje, o neopentecostalismo inverte a curva para pregar a virtude de sacrifício.
Volta-se a falar em jejum, em perdas necessárias...
Porque é óbvio que um regime que não consegue mais, por todas as suas contradições internas, prover o bem-estar universal, precisa usar de uma explicação metafísica para justificar a morte, a miséria, a exclusão.
Ora, não há mais bases racionais, no século XXI, que justifiquem a fome e a miséria. A única possibilidade é o apelo ao irracionalismo. A teorias de castigo divino ou carma individual.
Essa me parece ser a tensão permanente da aliança que sustenta o (des)governo atual.
Mandetta, mesmo que ministro de Bolsonaro, estudou alguma coisa na Faculdade de Medicina, que o coloca com certa responsabilidade frente ao conhecimento científico.
Responsabilidade esta que afronta o obscurantismo, que permitiu que uma figura tão tangencial e medíocre da política brasileira fosse eleito presidente.
Essa é uma tensão que, ao mesmo tempo, sustenta esse arranjo provisório e o mantém em constante crise.
A crise não se resolve (ou se resolverá) optando, momentaneamente, por um dos polos da tensão. Porque é da natureza dessa crise a sua instabilidade.
A crise se resolve rompendo – historicamente - com a causa da tensão: ou seja, não é possível mais manter um sistema excludente e concentrador.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum