A tensão entre Mandetta e Bolsonaro e a aliança que sustenta este (des)governo

Leia na coluna de Andrea Caldas: “A crise não se resolve optando por um dos polos da tensão, mas sim rompendo com a causa da tensão, pois não é possível manter um sistema excludente e concentrador”

Luiz Henrique Mandetta e Jair Bolsonaro - Foto: Isac Nóbrega/PR
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Bolsonaro nunca foi a primeira opção das elites. Assim como Collor lá atrás não o fora.

Bolsonaro e Collor são daqueles golpes dos espasmos históricos, que fazem figuras medíocres ascenderam ao poder. (Justiça feita a Collor, ele era relativamente mais letrado do que o atual presidente miliciano).

Ocorre que toda vez que o neo ou ultraliberalismo se encontra na curva histórica de ter de colocar a crise (e não a solução dela) como receita, ele perde apoio popular.

O capitalismo é popular quando vende vantagens ou promessas de sucesso: meritocracia, American way of life etc.

O capitalismo em crise não tem apelo popular e muito menos eleitoral. Por isso, ele precisa se valer quase da sua antítese histórica, ele precisa se valer da fé e da virtude de sacrifícios.

E vejam só que ironia histórica: se lá atrás a Reforma Protestante foi tangida, à luz da ascensão da burguesia, para se contrapor ao ascetismo católico como a teologia da salvação e do sucesso individual, hoje, o neopentecostalismo inverte a curva para pregar a virtude de sacrifício.

Volta-se a falar em jejum, em perdas necessárias...

Porque é óbvio que um regime que não consegue mais, por todas as suas contradições internas, prover o bem-estar universal, precisa usar de uma explicação metafísica para justificar a morte, a miséria, a exclusão.

Ora, não há mais bases racionais, no século XXI, que justifiquem a fome e a miséria. A única possibilidade é o apelo ao irracionalismo. A teorias de castigo divino ou carma individual.

Essa me parece ser a tensão permanente da aliança que sustenta o (des)governo atual.

Mandetta, mesmo que ministro de Bolsonaro, estudou alguma coisa na Faculdade de Medicina, que o coloca com certa responsabilidade frente ao conhecimento científico.

Responsabilidade esta que afronta o obscurantismo, que permitiu que uma figura tão tangencial e medíocre da política brasileira fosse eleito presidente.

Essa é uma tensão que, ao mesmo tempo, sustenta esse arranjo provisório e o mantém em constante crise.

A crise não se resolve (ou se resolverá) optando, momentaneamente, por um dos polos da tensão. Porque é da natureza dessa crise a sua instabilidade.

A crise se resolve rompendo – historicamente - com a causa da tensão: ou seja, não é possível mais manter um sistema excludente e concentrador.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum