A volta do movimento contra a carestia - Por Raimundo Bonfim

Sem previsão de crescimento econômico em 2022, o povo não terá outra saída a não ser se organizar e se colocar em luta por sua sobrevivência, assim como o fez no movimento contra a carestia no início dos anos 1980

Marcha da Panela Vazia em Heliópolis (Foto: Central de Movimentos Populares)
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Iniciamos no último dia 24 de novembro, na favela do Heliópolis, a maior do Estado de São Paulo, localizada na Zona Sul da Capital, uma importante e nova modalidade de manifestação para denunciar o desemprego, a fome e a carestia dos alimentos, mazelas do sistema capitalista, o responsável por jogar milhões de pessoas na extrema pobreza.

A Marcha da Panela Vazia, organizada por associações de moradores e grupos populares da favela, como a UNAS (União de Núcleos, Associação dos Moradores de Heliópolis e Região), Associação dos Moradores de Heliópolis e Ipiranga (Associação Nova Heliópolis), filiadas à Central de Movimentos Populares (CMP), entre outras, reuniu mais de mil pessoas, que percorreram as ruas da favela batendo panelas, com cartazes e faixas com frases expressando a indignação com a barbárie social vivida pelo país e velas acesas em homenagem às vítimas da Covid-19 da favela.

A favela Heliópolis tem cerca de 200 mil habitantes, segundo o último Censo realizado em 2010, sendo 51% da população formada por jovens de até 25 anos, faixa etária mais afetada pelo desemprego e a violência. Tanto em Heliópolis quanto em outras favelas e periferias do país, a violência, o desemprego, a fome e a carestia dos alimentos são os principais temas que preocupam as pessoas.

O desemprego atinge 15 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, a fome é realidade para 20 milhões de pessoas no Brasil, um país que é o terceiro produtor de alimentos do mundo. A carestia de alimentos básicos tem piorado as condições de vida do povo, especialmente das camadas mais pobres.

Cenas de pessoas desmaiando por falta de comida são cada vez mais frequentes. Há relatos de que todos os dias as Unidades Básicas de Saúde (UBS’s) da cidade de São Paulo são procuradas por moradores com queixa de mal-estar e que crianças, durante a consulta, pedem comida. Situação parecida também tem sido notada nas escolas, onde alunos passam mal porque vão para as aulas sem se alimentar.

A desastrosa política econômica de Bolsonaro, conduzida pelo ministro Paulo Guedes, que privilegia os donos do capital e joga cada vez mais o povo na exclusão, é a responsável direta pela inflação acumulada de alimentos, que atingiu 11, 71% nos últimos 12 meses, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Se já estava difícil antes da pandemia para adquirir a comida no dia a dia, com o golpe iniciado por Temer e consolidado por Bolsonaro e a gestão criminosa do atual governo frente à Covid-19, a situação piorou ainda mais.

O reajuste no preço dos alimentos chegou a 40% durante a pandemia, impactando mais severamente as famílias com renda menor. Nos últimos meses, até agosto, o valor da cesta básica subiu em todas as capitais, em Porto Alegre (RS), por exemplo, o aumento foi de mais de 34%. Para famílias com renda de um salário mínimo, o preço da cesta básica chega a consumir 65,32% dos ganhos mensais, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Os aumentos estratosféricos da energia elétrica e da água também têm pesado no bolso dos trabalhadores e das trabalhadoras.

O gás de cozinha, para muitos, foi substituído pelo fogão a lenha, e muitos acidentes com o uso do álcool para acender o carvão já foram registrados. Somente em 2021, o preço médio do botijão de 13 quilos aumentou 30%. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o preço da energia elétrica no Brasil já acumula uma alta de 24,97%, em 2021. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) divulgou recentemente que estima que as contas de luz terão, em média, uma alta de 21,04%, em 2022.

Infelizmente temos assistido a cenas que nos causam tremenda indignação. Imagens de pessoas revirando lixo em busca de sobras de alimentos ou nas filas de açougues a procura de ossos para retirarem restos de carne têm mostrado ao Brasil e ao mundo a tragédia humana e social pela qual passam milhões de pessoas no nosso país.

A CMP e outras entidades, desde o início da pandemia, têm promovido ações de solidariedade por meio de distribuição de cestas básicas, legumes e verduras para famílias em situação de vulnerabilidade. Muitas vezes essas ações são a única alternativa das famílias para conseguirem se alimentar, tamanho o descaso do governo com a população mais necessitada. Combinadas às ações de solidariedade, promovemos atividades para a conscientização das pessoas sobre seus direitos e sobre as responsabilidades dos governos.

Com a proximidade do fim de ano, e diante da fome e da pobreza, vários setores se mobilizam para distribuírem cestas básicas na linha do “Natal sem fome”, iniciativa que saudamos e também promovemos. Porém, a maioria desses setores se restringem apenas à distribuição de alimentos no âmbito da visão da caridade, sem debater as verdadeiras causas que levam as pessoas a passarem fome.

Durante todo o ano de 2021, realizamos mobilizações nas capitais e nas médias e pequenas cidades por emprego, auxílio emergencial, vacina e pelo impeachment de Bolsonaro. Mas há uma parcela das lideranças populares que sempre defendem que façamos atos nas periferias, possibilitando uma maior participação da população local.

A Marcha da Panela Vazia que promovemos na favela Heliópolis, no dia 24 de novembro, atende este apelo das bases por manifestações descentralizadas nas periferias e tem como finalidade politizar o debate e denunciar as verdadeiras causas estruturais que causam a fome.

Lotamos as ruas da favela Heliópolis e, em todo nosso trajeto por dentro da comunidade, entoamos palavras de ordem contra o governo genocida e denunciamos a falta de emprego, o aumento dos alimentos, do preço da conta de energia e do botijão de gás, por comida no prato. Foi emocionante recebermos apoio dos moradores, do começo da manifestação, com concentração na rua da Mina, ao fim, na Igreja Santa Edwiges, onde realizamos um ato ecumênico com representantes das igrejas católica, evangélica e religiões de matriz africana da comunidade.

A voz da favela ecoou forte, porque é onde a fome mais pesa. Muito mais do que nas regiões de classe média. O povo não suporta mais tanta miséria, não aguenta mais ver aumentar a quantidade de bilionários, enquanto passa fome. Por isso é preciso gritar por emprego, renda, contra a carestia e a fome. A Marcha da Panela vazia foi uma ação forte e contundente, carregada de simbologia, e pode ser o nascedouro de um forte movimento de indignação e mobilização a partir das periferias.

A situação de fome e pobreza deve piorar em 2022, tendo em vista que, até o mês de outubro, 37 milhões de pessoas recebiam Bolsa Família ou auxílio emergencial. Agora, o Auxílio Brasil irá atender no máximo 17 milhões de pessoas, excluindo, portanto, 20 milhões, que ficarão sem nenhum auxílio. 

Sem previsão de crescimento econômico para 2022 e com a continuidade da política ultraneoliberal atual, a tendência é o agravamento da fome e da miséria, piorando as condições de vida do povo – que não terá outra saída a não ser se organizar e se colocar em luta por sua sobrevivência, assim como o fez no movimento contra a carestia no início dos anos 1980. Comida tem, os supermercados estão cheios, o que falta é dinheiro para comprar. Até quando vamos esperar? Panela vazia não, comida no parto sim!

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum