Um tiro no pé do capitão – Por Chico Alencar

Trocando em miúdos: a cúpula militar não desembarcou do desgoverno, nem abandonou Bolsonaro, mas deixou claro que não vai se aventurar nos seus delírios golpistas.

Foto: Presidência da República.
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Não é exagero dizer que o governo Bolsonaro subiu no telhado. A afirmação não significa que, necessariamente, ele vá cair nos próximos dias. Não é isso. Mas que vai mal das pernas, vai. Pode até se equilibrar, inclusive chegando a outubro de 2022. Mas nunca esteve com tantas dificuldades.

A Covid-19 saiu do controle. E por mais que o presidente tente fugir da sua responsabilidade, a esta altura só convence os "bolsocrentes" mais empedernidos. O carimbo de irresponsável ou criminoso (e até genocida) está gravado na sua testa.

Sua popularidade cai a cada nova pesquisa. Uma parcela significativa da classe média que o apoiou já não suporta suas sandices e chega a ter vergonha do voto. O fim da ajuda emergencial afastou os pobres e o que se acena nesse terreno parece muito pouco, frente à inflação galopante, para a retomada do apoio.

Parte importante da grande burguesia está se descolando de Bolsonaro, como demonstrou o tal "manifesto dos banqueiros".

O centrão, o anteparo contra qualquer tentativa de impeachment, não é uma blindagem confiável. Seja por sua própria natureza mafiosa, seja porque o que recebeu em troca do apoio já está ameaçado – mal fechado o acordo. As emendas ao orçamento, em benefício dos parlamentares, que serviram para "acalmá-los", ameaçam comprometer despesas sociais garantidas na Constituição. Se liberadas, podem estourar os gastos, apontando para um impasse. Basta ver a contrariedade de Paulo Guedes – o "Posto Ipiranga" sem combustível.

Governadores e prefeitos, mesmo os conservadores, têm tido repetidos atritos com o presidente, que tenta enquadrá-los e/ou responsabilizá-los pelos problemas trazidos pela pandemia.

Por sua vez, o Exército mostrou que não aceitará passivamente o papel de guarda pretoriana do capitão. Nesse terreno, Bolsonaro mexeu suas peças para um lance ofensivo e perdeu. E, como numa partida de xadrez, também na política ninguém faz isso sem enfraquecer sua posição.

Nesse quadro, a esquerda tem um papel importante: manter a denúncia do governo genocida de Bolsonaro, sem deixar que 2022 atropele 2021, e ter como centro de sua ação política a defesa da vacinação célere e massiva, além do auxílio emergencial de R$ 600 enquanto durar a pandemia. Sem este último, não haverá lockdown, mesmo que parcial. E ele é essencial para enfrentar a pandemia. Não importa que Guedes esperneie.

A Ordem do Dia sobre o que o novo ministro da Defesa, general Braga Netto, que chama de "Movimento de 31 de Março 64" – o golpe empresarial-militar – espelhou bem a situação. E, com certeza, frustrou o presidente autocrata, incompetente e golpista. Foi mais branda do que ele gostaria. Isso não exime, claro, a alta oficialidade das responsabilidades pelo abismo em que o país foi jogado – com o seu apoio.

Em dez parágrafos, o ministro tentou situar o golpe no contexto histórico da época (Guerra Fria) e lembrar que havia base social para a intervenção ("marchas" nas ruas e apoio da imprensa, das igrejas, de empresários e de líderes políticos).

Mas omitiu a participação dos trabalhadores, urbanos e rurais, e de amplos setores populares que apoiavam as Reformas de Base e o presidente legitimamente eleito João Goulart.

Braga Netto tampouco fala do apoio do imperialismo dos Estados Unidos. E nem cita o longo período de truculência, censura, tortura e morte de adversários políticos que se abriu a partir de 1964.

Sua nota é parcial e interessada.

Trocando em miúdos: a cúpula militar não desembarcou do desgoverno, nem abandonou Bolsonaro, mas deixou claro que não vai se aventurar nos seus delírios golpistas.

Para quem tentou um xeque-mate, foi um mau desfecho. O tiro que armou, buscando sustentação para um autogolpe futuro, acertou o pé do próprio capitão.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.