Entrevista exclusiva com o ministro Lewandowski – Por Ana Beatriz Prudente

"Observo que o combate à corrupção não depende tanto de leis específicas, especialmente de caráter penal, mas de uma mudança cultural e política”, disse o magistrado do STF

Foto: Ascom/STF
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O ministro Enrique Ricardo Lewandowski é um homem forte e com pensamento sempre muito bem estruturado, que o permite quotidianamente dar sua opinião de forma contundente e sem receios. Respeitado e admirado no meio jurídico, sua integridade nunca foi questionada pelos seus pares, muito pelo contrário, há um consenso de que ele chegou onde chegou por mérito.

Lewandowski é formado bacharel em ciências políticas e sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Cursou mestrado e doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde mais tarde se tornou docente e professor titular de Teoria Geral do Estado no Departamento de Direito do Estado.

Na Faculdade de Direito da USP foi chefe do Departamento de Direito do Estado durante dois anos e coordenou o curso de mestrado em Direitos Humanos da faculdade entre 2005 e 2006.

O ministro já recebeu as medalhas de Mérito Naval, Militar, Aeronáutica, Ordem do Rio Branco e do Congresso Nacional e, além disso, também recebeu o título de Master of Arts na área de Relações Internacionais, pela Fletcher School of Law and Diplomacy, da Tufts University, administrada em cooperação com a Harvard University, nos Estados Unidos.

Ele gosta de afirmar que nasceu no pós-guerra, portanto pertence a uma geração em que o mundo era algo a ser construído. Podemos dizer que assim edificou sua carreira: contribuindo.

Ao longo de sua jornada, nunca foi uma pessoa que se silenciou ou ficou em cima de muros. Sua trajetória acadêmica sempre foi marcada por fortes posicionamentos. Fez da defesa do Estado Democrático de Direito uma bandeira para sua vida, então muito antes de se tornar ministro do Supremo Tribunal Federal ele já era um paladino da Constituição de 1988.

É natural que dentro do meio jurídico um ministro do Supremo Tribunal Federal seja muito homenageado, convidado para jantares e palestras, e seja uma figura que todos queiram ter por perto. Mas, a popularidade do ministro Ricardo Lewandowski é muito anterior à sua função. É certo afirmar que ele já era uma figura muito assediada e considerada simpática no meio jurídico. 

Ao lado de sua elegante esposa, a professora Yara, tinham uma presença marcante em todos nos ambientes jurídicos. Quando eles chegavam nos eventos, todos paravam para cumprimentá-los. Eu tenho em minha memória de adolescência jantares oferecidos pelos meus pais, que reuniam colegas do mundo do Direito. Sempre em um determinado momento da noite, muitas pessoas começavam a ir na mesma direção, formando um alvoroço: elas estavam indo cumprimentar o professor Ricardo Lewandowski e sua esposa, que acabavam de chegar. Também tive a oportunidade de ver o professor Lewandowski e sua esposa em outros tipos de eventos, e posso afirmar que ele tem ao seu lado uma mulher extremamente gentil e acolhedora. Todas as vezes que eu tive o prazer de encontrar a professora Yara, sempre a admirei muito e com certeza ela é uma das minhas referências em termos de postura.

Confiram a minha entrevista exclusiva com o ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski. 

Ana Beatriz Prudente – O senhor se consagrou na área jurídica, chegando ao posto de ministro Supremo Tribunal Federal. Mas além da riquíssima formação em Direito também é formado em ciências políticas e sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. O senhor pode nos contar as contribuições das ciências sociais para o Direito?

Ministro Ricardo Lewandowski – O Direito, como ensinava o professor Miguel Reale, é composto por fato, valor e norma. Em outras palavras, o comando normativo resulta da tensão dialética entre determinados valores e a realidade fática. Essas duas dimensões estão em permanente mutação. Os valores e o substrato social sobre os quais o Direito repousa mudam de tempos em tempos. Por isso é que as ferramentas empregadas pelas ciências sociais são essenciais para a perfeita compreensão do fenômeno jurídico.

Ana Beatriz Prudente – Os Lewandowski chegaram na América Sul na primeira metade do século XX em busca de oportunidades. No século XXI, o Brasil continua sendo o destino de povos vindos de diversos países. Na opinião do senhor, qual é a missão do Brasil na proteção de refugiados e imigrantes?

Ministro Ricardo Lewandowski – O Brasil, apesar de todos os seus problemas, com destaque para a enorme desigualdade social, continua sendo uma terra de grandes oportunidades, caracterizado por uma riquíssima diversidade cultural e étnica como nenhum outro país no mundo. Quem melhor descreveu isso, a meu ver, foi o grande antropólogo Darcy Ribeiro, em seu livro seminal O povo brasileiro.

Ana Beatriz Prudente – Ano que vem, o Brasil irá se mobilizar em um processo eleitoral. O senhor votou pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Na sua visão, a lei alcançou o seu objetivo? Como ela transformou o cenário eleitoral brasileiro?

Ministro Ricardo Lewandowski – O grande mérito da chamada Lei da Ficha Limpa foi ter resultado de uma iniciativa popular bem sucedida. Trata-se, porém, de um diploma normativo que está a merecer um aperfeiçoamento para alcançar plenamente os seus objetivos, em especial para evitar eventuais injustiças. De qualquer maneira, observo que o combate à corrupção não depende tanto de leis específicas, especialmente de caráter penal, mas de uma mudança cultural e política que leve ao poder pessoas que estejam, de fato, comprometidas com o bem comum e não com o seu próprio interesse.

Ana Beatriz Prudente – O senhor é uma fonte de inspiração para muitos jovens que sonham com uma carreira jurídica de sucesso. Qual é o conselho que o senhor pode dar para os jovens que estão nos bancos das faculdades de Direito?

Ministro Ricardo Lewandowski – Creio que existem várias carreiras jurídicas. Um bacharel em Direito pode integrar a advocacia, a magistratura, o Ministério Público e o serviço público. O importante é estar vocacionado para lutar pela prevalência da justiça e dos direitos fundamentais. A satisfação profissional nem sempre advém de resultados econômicos ou do reconhecimento social, mas da certeza íntima de ter contribuído para a construção de uma sociedade mais justa, mais igual, mais fraterna e mais solidária.  

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.