A atuação internacional da burguesia brasileira no impeachment de Dilma – Blog Terra em Transe

Setores dominantes de nossa sociedade abandonaram a política Sul-Sul e se alinharam ao neoliberalismo imperialista principalmente por razões políticas, não econômicas

Foto: Agência Brasil
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Por André Alves Alckmin e Fernanda Silva Boschiero *

Em maio, completa-se cinco anos do afastamento de Dilma Rousseff da presidência da República. Para além de qualquer problema jurídica, o golpe teve como fundamentação questões políticas e econômicas nos interesses das classes dominantes brasileiras. Aqui, analisamos o cenário externo da política regional para compreender como teve impacto sobre as movimentações políticas ao impeachment.

Na política brasileira, o apoio da burguesia se mostrou articulada em relação aos governos petistas quando proveitoso: as atividades manufatureiras na estrutura comercial da política Sul-Sul demonstram o suporte dos interesses internos. Por outro lado, a mesma burguesia influencia o afastamento de Dilma e o processo de consolidação do impeachment, o que demonstra sua fragilidade ideológica, considerando seus interesses particulares e momentâneos. Tais contradições podem ser vistas em relação às tratativas da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) e nas negociações do MERCOSUL.

As influências econômicas e políticas nos acordos contam com a clareza das mudanças internacionais comparadas aos dez anos anteriores. A transição regional pela ascensão de governos predominantemente de direita limitou os espaços políticos do mandato de Dilma quando comparados ao cenário de Lula (2003-2011) e seu projeto de integração regional, de crescimento econômico frente à crise dos desenvolvidos e determinações neodesenvolvimentistas dentre o MERCOSUL.

Sendo assim, as críticas envolvendo a política externa de Dilma junto com a crise argentina, nas contraposições com seu principal parceiro comercial, demonstraram importantes impactos nas novas diretrizes do MERCOSUL. No contexto regional, se destaca a suspensão de Paraguai do bloco em 2012 após o impeachment de Fernando Lugo e a eleição de Macri na Argentina, em 2015. Tal suspensão, em contrapartida ao interesse de admissão do Estado venezuelano na expansão do bloco, determinou algumas suspeitas em relação ao caráter político do MERCOSUL como um todo, demonstrando os receios por parte da burguesia interna do Brasil e seus interesses em relação à política de Dilma.

É nas negociações regionais que se demonstra, portanto, o comportamento da burguesia brasileira na política externa do país. As formulações de Poulantzas sobre os tipos de burguesia – nacional, interna e compradora – podem ser usadas como ferramentas de análise das diferentes posições e estratégias adotadas pelo Brasil ao longo das negociações do MERCOSUL, impactando no processo de impeachment. Por mais que a ideia de uma burguesia nacional de caráter anti-imperialista aparente ser uma miragem no contexto brasileiro, a efêmera existência do modelo interno pode ser apontada durante as tratativas dos acordos comerciais entre MERCOSUL-UE e da ALCA.

Na teoria, o autor grego parte da análise de três tipos principais de burguesia. A primeira delas, a burguesia nacional, na visão do mesmo, estaria disposta a se aliar com as classes populares em um projeto soberano e independentista. A segunda seria a burguesia compradora, a qual se alinha com o capital internacional, tendo como objetivo manter intactos a dependência e o imperialismo. Já a última, a burguesia interna, seria um meio-termo entre as duas classificações anteriores, por conta de sua atividade econômica se concentrar no mercado interno e/ou regional, ao mesmo tempo em que é dependente do capital externo (sem desenvolver uma posição anti-imperialista e capaz de conciliar seus interesses com as classes populares quando proveitoso). As negociações do ALCA marcam a ocasião em que essa dinâmica se identifica, quando parte da burguesia e movimentos sindicais se juntaram em oposição ao acordo – como a Coalizão Empresarial Brasileira e a Central Única dos Trabalhadores.

No contexto do acordo Mercosul-UE, é possível identificar uma experiência semelhante. As negociações durante os governos petistas foram marcadas pela posição contrária ao acordo por parte da burguesia interna (representados pela FIESP, CNI e CEB), que tinha como principal argumento que os potenciais ganhos do setor agrícola não superariam as perdas do setor de bens manufaturados, se distanciando da postura adotada pela burguesia compradora, representada pela elite agrária favorável ao acordo. Essas mesmas entidades mudaram drasticamente de opinião a partir de 2012-13.

Qual seria a origem dessa mudança de posição?

A professora de Relações Internacionais, Tatiana Berringer, aponta uma possível explicação. As oscilações da burguesia interna seriam resultado da “sua dependência econômica e financeira e da sua fragilidade político-ideológica face ao imperialismo” (BERRINGER, 2017). Nessa direção, as críticas à diplomacia brasileira durante os governos Lula e Dilma demonstram essa fragilidade em relação às posturas de cooperação Sul-Sul. Episódios como o processo de adesão da Venezuela no Mercosul, os empréstimos do BNDES, a não-oposição a nacionalização dos hidrocarbonetos na Bolívia e a renegociação do Tratado de Itaipu em 2009 não foram aceitos por essa burguesia, que através da mídia apontaram para uma “ideologização” da política externa brasileira. Além disso, a criação de acordos regionais de comércio que não contemplavam o Brasil (Acordo Transatlântico e o Acordo Transpacífico), fez com que parte da elite brasileira articulasse a falsa concepção de um isolacionismo brasileiro em relação a economia mundial; utilizando-se das posturas de cooperação Sul-Sul como argumento.

Com o golpe parlamentar de 2016, a mudança paradigmática se dá no discurso dos interesses das camadas dominantes. A tentativa de transição no Mercosul de posição política e comercial incide nas determinações liberalizantes de Michel Temer, na recusa de manter os vínculos comerciais inteiramente por intermédio do bloco. Para Temer, a negociação estratégica que atendesse aos interesses empresariais do momento determina sua manobra política, levando em consideração as críticas das classes dominantes do governo anterior em relação à inserção internacional do país no cenário de investimentos. Sua política supostamente autodeterminada como não-partidária, em colaboração com José Serra na chancelaria brasileira, fundamentou o discurso de retomada do MERCOSUL nas diretrizes exclusivamente comerciais – já não se tratava mais dos “temores ideológicos” que cercavam os pensamentos da classe dominante como um todo, buscando agradar os interesses do empresariado.

Vale destacar o papel midiático dessas expectativas. As intenções de articular o impeachment como solução da crise econômica, além da incidência sobre a necessidade de uma movimentação popular contra Dilma, envolvem os interesses políticos e econômicos da classe dominante. Como aborda José Szwako e  Fabiano Santos, se constata portanto “ uma mídia oligopolizada cada vez mais partidarizada e alinhada a setores específicos da estrutura de poder".

O comportamento da burguesia interna pode ser explicado a partir de sua preferência por renunciar os ganhos provenientes da condução da política externa petista pelo interesse de assegurar seus objetivos políticos, rejeitando a cooperação hemisférica e as políticas sociais (como as de distribuição de renda). A política externa do governo Temer no pós-golpe confirma essa nova posição. Medidas como o estabelecimento do acordo Mercosul-UE como prioridade, o fim dos programas de combate à fome no continente africano, a elaboração do programa “Uma Ponte para o Futuro” e o esvaziamento político da UNASUL e dos BRICS evidenciam a transição do apoio da burguesia interna de um projeto de cooperação sul-sul, economicamente proveitoso para a classe, para um alinhado ao capital internacional no patamar neoliberal e imperialista.

*André Alves Alckmin e Fernanda Silva Boschiero são graduandos em Relações internacionais na PUC-SP e pesquisadores do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI/PUC).

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.