Xangô chegou chegando – Por Lelê Teles

Foi no dia de São João que os Miranda anunciaram que derrubariam a República, revelando, Joãonicamente, a verdade que liberta

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“Ai, São João, Xangô menino” Gil e Caetano

No arraial da CPI, a fogueira continua ardendo, a batata do Necrarca tá assando.

“Olha o Fiat Elba... É mentira...”

Os Miranda, verdade seja dita, botaram a quadrilha na roda.

“Anarriê!”

No balancê da CPI, os senadores serviram o mungunzá da persuasão, fazendo os irmãos Miranda brandirem o invisível e indizível machado de Xangô.

Xangô, rei de Oyó, é o orixá da justiça, do fogo e dos trovões.

É o cabra que faz a cobra fumar.

No sincretismo, forçaram-no a ser São João, o Batista.

Conta-nos o Livro que João, o cabeludo, ficou conhecido por anunciar a chegada do Messias, o hermeneuta de Nazaré.

Nas águas do Jordão, João batizou e ungiu Jesus, promovendo o seu rito de passagem, como diriam os antropólogos.

Tudo isso já se sabe e sabemos também como tudo terminou; Salomé, filha do antiempático Antipas, pediu a cabeça de João.

Herodes atendeu a filha, mandou decepar o Batista e servir sua cabeça numa bandeja de prata.

Comemoramos, no dia 24, não a lampiônica morte de João, como o fazemos com quase todos os outros santos, festejamos o seu nascimento; por isso, ele aparece na figura de um menino.

Digo tudo isso porque foi no mês de Xangô que Salles, o que tocava fogo nas matas de Oxossi, pulou a fogueira e imolou-se.

O machado da justiça está apontado para a sua cabeça.

Com cagaço, o ecocida de óculos infantis se auto defenestrou. Ele teme Alexandre Moraes como João temia Herodes.

A gravata nunca incomodou tanto o seu pescoço.

“Alavantú”.

Foi no dia de São João que os Miranda anunciaram que derrubariam a República, revelando, Joãonicamente, a verdade que liberta.

No dia seguinte, os irmãos chegaram ao arraial, nada de camisa xadrez, nem de dente pintado de preto: o deputado trajava um estranho colete à prova de bala; o servidor, visivelmente aterrorizado, tartamudeava com uma voz trêmula e amedrontada.

“Damas cumprimentam os cavalheiros”.

Enquanto os senadores tocavam a zabumba inquisitorial, lá fora, anunciou o senador Randolfe Rodrigues, pairava pelos corredores o espantálhico fantasma de Frederick Wassef, o amigo da familícia, ocultor de Queiróz.

Pego de calças curtas, roendo um milhinho assado, o gravata dessa vez tentou ocultar a si mesmo, camuflando-se no banheiro feminino.

“Olha a cobra... É mentira”.

O senador Alessandro, hábil inquiridor, pois é delegado de polícia, apertou o deputado, apelou para sua honra e moral, falou em falta de coragem como quem fala em covardia.

“Pula fogueira Iaiá, pula fogueira ioiô, cuidado para não se queimar...”

Miranda titubeou, deu uma volta na fogueira, tomou aquele quentão que refresca a memória e, num átimo, o que antes era um enigmático Fulano, convertera-se milagrosamente em Ricardo Barros.

Barros, dizem os Miranda, é o cabra por trás de toda a falcatrua envolvendo a suspeitíssima compra da Covaxin.

Barros é de Maringá, como Sérgio Moro, cidade de mau agouro para o Necrarca.

O Necrarca, dizem os senadores em coro, prevaricou.

Explico essa bisonha analogia resumidamente, como quem faz um tuíte: no sincretismo político, Herodes Antipas é o Centrão, João é o Necrarca, a bandeja de prata é o impeachment e o senador Alessandro é o cabra que toca o shofar de chifre de carneiro, anunciando o grito de guerra contra o inimigo interno.

Como se vê, a cobra começa a fumar.

“Viva São João”.

Palavra da salvação.

PS: Enquanto tudo isso acontece no mundo real, outro João, o Santana, tenta converter o nosso irascível Ciro Gomes, no amantíssimo Ciro de Nazaré, fazendo-o subir a escadaria da igreja de Monte Santo, Bíblia em punho, como um maluco sebastianista dos filmes de Glauber Rocha.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.