OPINIÃO

Uma paixão antifascista - Por Valerio Arcary

"Há uma luta em curso e, diante da incerteza, devemos abraçar com paixão antifascista a campanha em defesa de Lula"

Lula durante ato político em Belo Horizonte.Créditos: Ricardo Stuckert
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                                                                                                                             Vem mais apressado o perigo desprezado.

                                                             A destreza pode muito, mas mais a perseverança.

                                                                                         Sabedoria popular portuguesa

 

1.      Circulam entre nós, encerrada a primeira semana da campanha para o 2º turno, cálculos de probabilidade que confirmariam um favoritismo de Lula sobre Bolsonaro. São exercícios interessantes, porém, inconclusivos. As pesquisas indicam que a disputa ainda está em aberto. O clima de “já ganhou” que prevaleceu antes do 1º turno deu lugar a algum pânico, nos dias posteriores à divulgação dos resultados. A ansiedade e angústia diante da expectativa demandam previsão. Oxalá fosse possível, mas não é. Acontece que a subjetividade da militância conta muito. A força moral e confiança política da parcela mais engajada do ativismo decidem uma batalha, quando os outros fatores se equilibram e, portanto, se anulam. Vai ser preciso muita “garra”. O resultado das pesquisas na sexta-feira revelou a permanência de uma maioria para Lula, ufa. Ou seja, o impulso final do arrastão bolsonarista parece ter se esgotado. Mas, infelizmente, a taxa de rejeição de Lula subiu. Ficamos sabendo, também, que algo em torno de 10% dos eleitores definiu o voto somente nos últimos dois dias. A verdade é que uma antecipação do desfecho de 30 de outubro não pode ser feita, por enquanto. A conclusão é que a vitória é possível e está em nossas mãos. Luta só termina quando acaba.

2.      A rigor, a eleição permanece, por enquanto, pelo menos, indefinida. Os erros das pesquisas inspiraram as mais diferentes hipóteses de explicação. Não é razoável sequer determinar qual delas é a melhor. Não são possíveis prognósticos sobre a taxa de abstenção no segundo turno. Não é plausível prever ainda para onde irão os votos de Ciro Gomes, ou mesmo de Simone Tebet, apesar do seu apoio a Lula. Não sabemos, tampouco, qual o percentual de votos que Bolsonaro recebeu serão reafirmados, ou, em que medida, os votos que Lula ganhou serão mantidos. Oscilações pequenas podem ser decisivas. Os votos necessários para a vitória estão concentrados nos estratos plebeus da classe trabalhadora, entre dois e cinco salários mínimos, estimados em mais de trinta milhões de assalariados com níveis de instrução médios, concentrados no sudeste, que já votaram em Lula noutras eleições, e se afastaram. Em resumo, há uma luta em curso e, diante da incerteza, devemos abraçar com paixão antifascista a campanha em defesa de Lula.

3.      A classe dominante celebrou a necessidade de um segundo turno. Mas permanece a divisão entre a massa da burguesia que apoia Bolsonaro, e os grandes capitalistas que apostaram na terceira via, e agora se deslocam para uma agitação de exigências de compromisso de Lula para a manutenção do tripé macro econômico do ajuste fiscal: querem garantias de um superávit fiscal, metas de inflação no Banco Central e câmbio flutuante. Mas, acreditar que reside nesta divisão na classe dominante a chave da vitória eleitoral de Lula seria erro imperdoável. Não será o “giro ao centro” de Lula que poderá atrair os votos de estratos da classe média proprietária ou gerencial com instrução superior. A reeleição de Bolsonaro e a eleição de Tarcísio, tendo o apoio dos três governadores do estratégico triângulo do sudeste, mais uma maioria no Congresso Nacional e a ameaça de uma emenda à Constituição que permita a ampliação de juízes no STF (Supremo Tribunal Federal) seriam devastadores. Se Bolsonaro vencer uma mudança autoritária de regime seria uma ameaça iminente.

4.      O maior erro da campanha eleitoral, desde o ano passado, foi a subestimação da extrema-direita. Bolsonaro confirmou uma impressionante resiliência eleitoral. Enganam-se aqueles que, mesmo na esquerda, interpretam a sua votação de domingo passado, essencialmente, como expressão do antipetismo. Essa “ilusão de ótica” foi, simultaneamente, o erro dos que tentaram erguer uma terceira via e naufragaram, e de Ciro Gomes, que sucumbiu. Fizeram a aposta de tentar disputar com Bolsonaro o espaço do antipetismo. Erraram, porque é muito mais grave. Em 2018, o antipetismo foi, de fato, o fator determinante, em função da situação reacionária aberta entre 2015/16 pela ofensiva da operação Lava-Jato que culminou com a prisão de Lula. A narrativa contra a corrupção e a defesa da ”lei e da ordem” ofereceu coesão a um discurso ressentido pela elevação da inflação dos serviços privados de educação e saúde que castigam a classe média.  Agora, em 2022, foi diferente. Não foi somente um voto contra o PT, embora a rejeição a Lula na classe média persista, evidentemente. A classe média abraçou em imensa maioria um programa. Bolsonaro lidera um movimento político de extrema-direita neofascista com implantação social sólida nas camadas médias e capilaridade nacional que tem sustentação na massa da burguesia. Não reconhecer o perigo é pura miopia. Mesmo depois da catástrofe sanitária da pandemia, do agravamento da crise social, da disparada da inflação, da elevação para patamares inéditos das queimadas na Amazônia e dos escândalos de corrupção da “rachadinha” ou das compras de imóveis da família com dinheiro “vivo”, ou do MEC. Os erros decorreram de uma avaliação “superficial” da relação social e política de forças. A classe trabalhadora ainda não recuperou a confiança em suas próprias forças. Só a gravidade objetiva da crise não foi o bastante para inverter, qualitativamente, a relação de forças. 

5.      Bolsonaro aceitou o terreno da disputa eleitoral, mas não renunciou às chantagens golpistas. Substituiu a denúncia das urnas eletrônicas, pela campanha contra as pesquisas de opinião. São movimentos táticos. O perigo de um “inverno siberiano”, ou seja, de uma derrota histórica continua no horizonte. Seu projeto é impor uma derrota histórica à classe trabalhadora ao serviço de um “choque” econômico-social que reduza os custos da produção no Brasil e atraia, massivamente, capital estrangeiro. Mas sabe que isso não é possível sem atacar as liberdades democráticas que permitem a existência de movimentos sociais e uma esquerda com influência. Sua estratégia é a imposição de um regime autoritário bonapartista. Uma derrota histórica acontece quando uma geração desmoraliza. Foi assim, entre 1964 e 1969. A desmoralização é um processo político-social e tem uma dinâmica desigual e combinada. Nem todos os setores fazem a experiência, simultaneamente. A juventude estudantil, nos anos sessenta, tinha origem quase exclusiva nas camadas médias que ascenderam durante as décadas de crescimento do pós-guerra. Ainda foi capaz de sair às ruas em 1968, no contexto de uma onda revolucionária mundial. Descobriu, rapidamente, que estava isolada das grandes massas trabalhadoras. O “golpe dentro do golpe” com a decretação do AI-5 selou a abertura de uma situação contrarrevolucionária, mais grave do que a reacionária dos cinco primeiros anos da ditadura. Derrotas históricas podem vir em função de quarteladas, por métodos contrarrevolucionários de “guerra civil” com os tanques nas ruas. Mas podem vir, também, pela degradação lenta e gradual do regime democrático-liberal. Foi assim no Peru com Fujimori, nos anos noventa. Tem que ser derrotado.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum