BOLSONARISMO

Assassinato de Lula deve ser levado a sério, ainda que sem alardes

Há tempo hábil para que medidas de proteção sejam implantadas, mas é real a possibilidade de um atentado contra o ex-presidente. A violência política daqui pode não ter a mesma tradição de outros países, mas bolsonarismo a tornou exponencial

Foto: Reprodução/YouTube Fórum
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Há um assunto que precisa ser falado dentro da esquerda brasileira, mesmo sendo incômodo e para alguns até exagerado neste momento: uma possível tentativa de assassinato contra o ex-presidente Lula. Quem levantou a lebre e resolveu dar início a essa discussão foi Joaquim Barbosa, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

É indiscutível que Lula lidera com folga todas as pesquisas para a corrida presidencial de 2022, a oito meses das eleições, o que o leva a figurar com muita clareza como o provável eleito ao final do ano. Da mesma forma, é indiscutível que Jair Bolsonaro e os setores mais violentos e obscuros de sua gangue de seguidores pretendem impedir que isso se concretize de qualquer maneira e se tornam cada vez mais beligerantes e furiosos com o iminente fracasso nas urnas, após mais de três anos de um governo caótico que arrastou o Brasil para o inferno da miséria e da fome.

É lógico que uma potencial ameaça contra a vida de Lula, neste momento, não é concreta e tampouco deve acarretar em alarde por parte das frações progressistas da sociedade, mas, ignorar que este pode ser um evento a ocorrer no horizonte nos próximos meses, seria imprudência.

Antes que qualquer desavisado brade que o Brasil não tem uma tradição de violência política em seu histórico, é válido lembrar que, primeiro, isso não é verdade, e em segundo lugar, mesmo sem casos muito recorrentes, como tantos outros países, inclusive latino-americanos, o bolsonarismo armado potencializou e turbinou de forma nunca vista as ameaças, coações, intimidações e demonstrações de força física no ambiente político.

Não foi à toa que mais 462 mil novas armas foram registradas pela Polícia Federal desde que o radical descompensado de extrema direita assumiu a Presidência da República, em 1° de janeiro de 2019. Desde lá, Bolsonaro já modificou a política para compra de armas 31 vezes, por meio de 14 decretos, 14 portarias, dois projetos de lei e uma resolução. Nada é por acaso e esse arsenal está nas mãos, em grande parte, de extremistas que o seguem como um deus.

O senso comum de que não temos violência de natureza política também deve ser combatido com base em evidências, indícios ou fatos históricos. Os tiros que acertaram o pé do golpista Carlos Lacerda, arqui-inimigo de Getúlio Vargas, e que mataram seu guarda-costas, um oficial da Aeronáutica, e um guarda municipal, no suposto Atentado da Rua Toneleiro, jamais foram esclarecidos, assim como as estranhas mortes dos ex-presidentes João Goulart e Juscelino Kubistchek.

Um ambiente aparentemente de normalidade pode se converter num inferno de delinquência num estalar de dedos. A Espanha, após quase cinco anos de sistema republicano, iniciado em 1931, ainda que tranquilidade e sossego não tenham sido exatamente as características do período, viu as coisas saírem do controle após uma sublevação que eclodiu a partir da caserna, mas que descambou para atos de violência extrema pelas mãos de civis alinhados às falanges da extrema direita. É sabido que o Brasil de 2022 não é a Espanha de 1936, que os cenários sociais e políticos são bem diferentes, incluindo suas formas de tensão, mas prudência, caldo de galinha e memória histórica não fazem mal a ninguém.

Nos últimos suspiros de um conturbado período democrático na Argentina, pouco antes do golpe de Estado dado por Jorge Rafael Videla, Emilio Eduardo Massera e Orlando Ramón Agosti, em 24 de março de 1976, o governo de Isabelita Péron viu explodir, muito por sua responsabilidade e anuência, ações violentíssimas por parte de uma extrema direita com características parecidas com a matilha de Bolsonaro, capitaneadas por seu “guru” José Lopez Rega e a famigerada Triple A, que arrastou a matança política para as ruas e calçadas do país vizinho.

O PT não é uma organização política amadora. Teve a máquina federal por mais de 13 anos, além de fundadores e quadros importantes que militaram na resistência à Ditadura Militar. É de se imaginar que o assunto seja um dos mais importantes à mesa de suas lideranças e que muita coisa já esteja sendo pensada e colocada em prática, até mesmo a possibilidade de que a maior parte da campanha de Lula seja realizada por meio de lives e transmissões pela internet.

Ninguém quer, nem deve fazer, alarde. Ainda assim, seria bastante importante que o lado progressista do eleitorado enxergasse as coisas como elas realmente são e compreendesse de forma definitiva que derrotar um sistema como o bolsonarismo, imbuído de violência até a medula, não será um processo que dependerá de digitar números numa urna e aguardar o William Bonner proclamar um vencedor. Entre seguir falando com o Brasil e subir pela terceira vez a rampa do Palácio do Planalto, Lula precisará vencer muitos obstáculos e, sobretudo, proteger sua vida.