Barbárie "tropical" – Por Chico Alencar

A morte de Moïse é mais um episódio, dentre tantos outros, que se soma dia após dia num país em que o culto à violência vem das mais altas autoridades

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Moïse Mugenyi Kabagambe, um congolês de 24 anos, residente no Rio, foi a mais recente vítima da barbárie que tem tomado conta do país.
Segundo amigos e parentes, era um jovem alegre, que gostava da vida e amava o Brasil, onde tinha muitos amigos.
Moïse era refugiado de guerra e tinha passaporte diplomático, exibido pelo cônsul de seu país num telejornal do Rio.
No dia 24 de janeiro, ele foi cobrar salários atrasados do dono do quiosque Tropicália, em que trabalhava, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Não se sabe como foi o diálogo entre os dois. Mas sabe-se, sim, pelas imagens de câmeras instaladas no local, que o jovem foi espancado até a morte por um grupo de amigos do patrão.
Os assassinos o agrediram com socos, tacos de beisebol e pedaços de pau. As pancadas continuaram mesmo depois de ele já não reagir, por estar desmaiado.
Seu corpo foi atado com fios a um poste da orla e lá esteve exposto por várias horas. Ficou como um monumento à barbárie que crescentemente toma conta das relações humanas em nosso país.
O Brasil nunca foi exatamente um modelo de democracia social ou racial. Basta ver o passado de escravidão durante quatro séculos, que tantas marcas nos deixou.
A mãe de Moïse, Lotsove Ivone, na dor aguda, afirmou que ele foi morto "por ser negro, por ser africano". E tem razão, pois o racismo entre nós é real, estrutural.
É preocupante o fato de a selvageria se agravar mais e mais nos últimos tempos.
A morte de Moïse é mais um episódio, dentre tantos outros, que se soma dia após dia num país em que o culto à violência vem das mais altas autoridades.
É verdade que não se pode responsabilizar diretamente o presidente Jair Bolsonaro pela morte do jovem angolano.
Mas será que não se pode atribuir a Bolsonaro o clima que estimula atos como o que tirou a vida do rapaz?
O atual governo federal, com sua postura beligerante, não tem nada a ver com o fato de nos tornarmos mais e mais um país em que se sucedem as barbáries?
O presidente que defende a tortura de seres humanos estimula, com palavras e atos, a violência. Com isso, contribui diretamente para o clima de barbárie que, de forma crescente, toma conta do país.
É inaceitável a condescendência com essa situação. A lentidão da polícia na investigação do caso e a suspeita mudança de CNPJ do quiosque, logo em seguida ao crime, podem revelar que há esquemas poderosos, com viés miliciano, tentando acobertar os responsáveis pelo crime hediondo.
É preciso virar esse jogo.
Só o clamor popular organizado conseguirá.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.