FRACASSO

O governo que não quer governar – Por Raphael Fagundes

Bolsonaro nunca quis governar, apenas fazer propaganda de si para se reeleger. Seu projeto é a destruição, a morte e o sucateamento dos bens nacionais

Bolsonaro e sua retórica vitimista.Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Escrito en OPINIÃO el

O governo Bolsonaro é o primeiro que mostrou claramente que não quer governar. O presidente cria frases, adota medidas e dá discurso com este objetivo para depois dizer que não o deixam governar.

Diz que vai diminuir as políticas de repressão ao desmatamento, o que afasta algumas parcerias econômicas no Brasil. Em seguida, afirma que a culpa é de quem quer boicotar o seu governo. Ele quer implantar uma agenda na contramão de tudo, contra todos, e ainda quer companhia.

Defende o uso de medicamentos ineficazes contra a Covid-19; é contra a vacina e o uso de máscaras. Estas posições aumentam a propagação da doença, impedindo as pessoas de irem ao trabalho normalmente, provocando um caos econômico. Depois diz que a culpa é de quem ficou em casa. Ele provoca o caos material para inventar um tipo de caos fundamentado ideologicamente, que se torna a razão verdadeira dos problemas nacionais.

Os discursos de Bolsonaro são forjados intencionalmente para que ele seja “impedido” de governar. Em seguida, é fabricada uma retórica vitimista.

Esbraveja que não seguirá nenhuma determinação do STF, depois vem um jornalista, ideólogo bolsonarista, como Alexandre Garcia, e diz que o STF impede o governo de trabalhar.

O governo não quer realizar projetos físicos, concretos. Muito menos um projeto de nação. Ele está focado na guerra cultural, como mostra o professor João Cezar de Castro Rocha. Cria inimigos em vez de emprego e renda...

 A agenda de Bolsonaro se resume a motociatas e entrega de medalhas a militares. Mas é certo que neste ano também o veremos indo mais à Igreja evangélica, já que tem perdido muito espaço neste setor imprescindível para a sua guerra cultural.

Não que Bolsonaro não consiga governar, ele, simplesmente, não quer governar. Quer se alimentar de uma retórica similar àquela que articulava antes de governar.

Trata-se do vitimismo do homem branco heterossexual. Muitos votaram em Bolsonaro por acreditar que os valores tradicionais estavam sendo corrompidos, que os holofotes da imprensa e da opinião pública, cultura, estudos acadêmicos, estavam voltados para as minorias.

 A “desgraça desse país”, como dizia Bolsonaro quando deputado federal, “é o politicamente correto”, uma doutrinação, segundo ele, que ensinou o povo a não se responsabilizar pelos seus atos.

Entretanto, na verdade, esse é o discurso bolsonarista: “Agora não se pode falar mais nada!”; “O policial é vítima da criminalidade”; “O branco é vítima de um sistema de cotas raciais”; “Essa heterofobia!”; “A criança é levada hoje em dia porque não se pode mais bater”; “O mundo é uma merda por causa da esquerda”; “a mulher não quer mais cuidar da casa” etc. Enfim, o maior vitimismo é o proferido pelo bolsonarismo. Ele nunca se responsabiliza. Parece que são seres fora da sociedade, indivíduos que não possuem parcela nenhuma de culpa das condições sociais claudicantes. Para eles, “o inferno são os outros”.

É a estratégia retórica da dissimulação. Eu acuso o outro de fazer o que, na verdade, sou eu o praticante de tal gesto. É a traição mais clássica.

O que essa direita faz é uma autofagia, uma forma de incompatibilidade discursiva. Nós aqui usamos a retorsão para compreender a retorsão usada pelo bolsonarismo. Segundo Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, essa estratégia argumentativa, que na Idade Média era chamada de redarguitio elenchica, “é um argumento que tende a mostrar que o ato empregado para atacar uma regra é incompatível com o princípio que sustenta esse ataque”. Bolsonaro sempre usou o mesmo princípio que critica para sustentar as suas denúncias e fomentar o seu discurso de ódio. Ou seja, sua crítica é incompatível. Na verdade, “pressupõe-se um princípio que se rejeita, mas a estrutura do argumento é a mesma”.

Assim como foi o homem branco heterossexual que excluiu a participação das minorias, levando a resistência destas ao domínio opressor do homem branco, é Bolsonaro que cria inimigos (propositalmente) que se voltam contra ele, resistindo assim o seu reinado de desgraça.

Deste modo, essa retórica vitimista (embora ele acusasse as minorias de vitimistas) que foi o caldo ideológico que o levou ao poder – e que voltará com todo vapor este ano – ganha uma nova gordura através discurso de que Bolsonaro não consegue governar. Mas, no fundo, o que de fato ocorre, é que ele nunca quis governar, apenas fazer propaganda de si para se reeleger. Seu projeto é a destruição, a morte e o sucateamento dos bens nacionais. Tornar o Brasil um pária internacional para no fim, em meio aos escombros, no leito de morte, dizer ainda, que todos estavam errados e por isso fracassou.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.