Bolsonaro, Moro e Lula: qual passado vamos escolher? – Por Raphael Fagundes

Foi Lula que construiu um projeto de Brasil baseado na conciliação de classes e que mostrou um certo êxito social e econômico

Edição de imagens (Brasil de Fato/Reprodução)
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Seguindo as observações de Svetlana Boym, Zygmunt Bauman destaca que a “epidemia global da nostalgia" pegou o bastão da “epidemia frenética de progresso". A utopia acabou, o futuro tornou-se distópico, o que restou, portanto, foi a retrotopia.

Vivemos em um tempo em que o futuro tornou-se temerário e, se antes a política lidava com o “por vir", hoje ela aborda um discurso baseado no passado.

No atual cenário brasileiro, três passados foram eleitos para inspirar o discurso político. O passado apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro, outro pelo ex-ministro Sergio Moro e por fim, o apresentado pelo ex-presidente Lula.

O passado bolsonarista é aquele que sustenta a nostalgia do regime empresário-militar, no qual os militares, aliados às frações dominantes da sociedade brasileira, oprimiam o povo em nome de uma proteção imaginária contra a iminência do comunismo. Foi exatamente este o discurso usado pelo presidente e reatualizado pela filosofia putativa de Olavo de Carvalho.

Mas é claro que nem tudo pode ser de fato como se espera. Na prática, essa retrotopia se distancia (e muito) do passado que almeja principalmente no plano econômico, pois na Ditadura, embora a desigualdade social foi mantida e até ampliada, houve um crescimento econômico, o qual fez com que os empresários escolhessem manter o regime por mais tempo do que se previa. Já o desastre econômico do governo Bolsonaro não vem agradando tanto a burguesia, que já mostra outros interesses.

A outra forma de retrotopia é a apresentada pelo ex-ministro Moro. Embora não deixe claro, seu objetivo é retornar ao modelo político-econômico de FHC. Moro, durante a operação Lava Jato, tinha receio de investigar o ex-presidente tucano porque acreditava ser alguém cujo apoio seria importante.

O plano é retornar a um modelo neoliberal marcado por privatizações e destruição do Estado, mas com um ar sofisticado, e não a baixaria apresentada por Bolsonaro. Se antes era um sociólogo conhecido mundialmente, agora teríamos um juiz que foi também professor universitário.

Dificilmente esse plano daria certo já que o que levou FHC à vitória foi, sem sombra de dúvida, o Plano Real, que de fato pôs fim a um período inflacionário turbulento. O discurso de combate a corrupção, embora seja forte, não é o suficiente. Além disso, a imagem do ex-ministro foi desgastada após a Vaza-Jato e pela briga que comprou com os bolsonaristas. Em uma espécie de ironia do destino, hoje FHC está ao lado de Lula, pois alguns setores da burguesia perceberam que para voltar ao poder é necessário aliar-se ao candidato de maior projeção.

A outra “retrotopia" é a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Colocamos entre aspas porque não se trata de um retorno, embora o slogan de voltar a ser feliz já venha sendo explorado.

Se for uma volta ao passado, este por ser encarado como autêntico, já que Lula refere-se a ele mesmo. Foi ele quem construiu um projeto de Brasil baseado na conciliação de classes e que mostrou um certo êxito social e econômico.

Ainda existe a forma fraudulenta pela qual os governos petistas tiveram um fim. O golpe de 2016 faz parecer que um projeto de futuro foi interrompido e se Lula retornasse esse projeto desenvolvimentista social, como diz Guido Mantega, pode ser retomado.

Sendo assim, a única retrotopia baseada na esperança seria a apresentada pelo petista. Trata-se de um passado autêntico, não pelo mero fato de que é uma referência ao próprio Lula, mas porque não desperta apenas sentimentos nostálgicos, mas afetos expectantes. Em referência ao filósofo alemão Ernst Bloch, que fala do futuro autêntico, do que ainda não aconteceu. O que poderia ter acontecido se o modelo de desenvolvimento empregado pelos governos petistas não tivesse sido interrompido? Ou seja, não se trata apenas de voltar ao passado, mas de continuar algo que foi atravancado, ou seja, trata-se de desejar um futuro que foi violado, roubado de nós.

O futuro, para o caso de Lula, está em nossa lembrança, como disse Shakespeare em Macbeth: “Amanhã, depois amanhã, depois amanhã, rasteja mansamente, dia a dia, até a última sílaba da recordação”.

Pensar nas formas temporais sobre as quais o discurso político é construído, é indispensável para pensarmos que país queremos.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.