EVANGÉLICOS

A estranha Bíblia de Isidório – Por pastor Zé Barbosa Jr

É urgente que a laicidade do Estado seja defendida por todos. Não cabe ao Estado a legislação sobre o que é “pecado” ou não. Não é atribuição da Constituição segregar cidadãos entre “pecadores” e “não pecadores”

Deputado Sargento Isidório (Redes sociais).
Escrito en OPINIÃO el

Parece piada, mas não é. O Deputado Federal Pastor Sargento Isidório (Avante/BA) apresentou um Projeto de Lei (PL 02/2019) que criminaliza como estelionato o uso dos termos “Bíblia” ou “Bíblia Sagrada” em “qualquer publicação impressa ou eletrônica de modo a dar sentido diferente dos textos consagrados há milênios nos livros, capítulos e versículos utilizados pelas diversas religiões Cristãs já existentes”.

Difícil numerar absurdos na proposta do insano deputado (que se autodeclara doido em um vídeo que viralizou tempos atrás). São tantos os desatinos que fica difícil saber por onde criticar o bizarro Projeto de Lei, e mais ainda suas justificativas, tão irracionais e pobres quanto a proposição em si. Aliás, é quase impossível esperar um Projeto de Lei com o mínimo de razoabilidade vindo da Bancada Evangélica da atual Câmara.

A começar pelo termo “Bíblia”. O vocábulo Bíblia vem do grego “ta biblia” e significa, literalmente, LIVROS (assim mesmo, no plural). Ao conjunto de rolos (também chamado de livros) da religião judaica, acrescidos dos rolos do Novo Testamento, logo, uma COLEÇÃO DE LIVROS, deu-se o nome mais comum: Bíblia, ou seja, Livros. Simples assim. Bíblia não é um “título” ou uma criação literária. É simplesmente uma “biblioteca” encadernada em um único volume. Este volume, com um nome genérico e comum, tornou-se com o tempo o Livro Sagrado dos Cristãos. O livro, não o título. O termo “Bíblia”, portanto, não pode ser, por definição, monopólio de quem quer que seja.

Tanto que, figuradamente, por força de ter se tornado um “título” muito mais que uma simples palavra do vernáculo, o termo “Bíblia” acabou tomando o significado de “Obra em que se reconhece autoridade no assunto versado: a gramática é a minha bíblia” (Dicionário online) também de “Livro que condensa os princípios de uma doutrina, filosofia ou escola de pensamento particular” (Dicionário Michaelis) ou até mesmo um “livro a que se atribui interesse ou autoridade particular e que se consulta com frequência” (Dicionário Houaiss).

Como se não bastasse querer o monopólio do termo, que impediria, por exemplo, a publicação de livros como “A Bíblia Desenterrada”, “A Bíblia da Fotografia”, “A Bíblia da Meditação”, “A Bíblia do Estilo”, “A Bíblia do Churrasco”, entre tantos outros livros que trazem o termo “Bíblia” em seu título com o significado diverso do livro sagrado dos cristãos.

Mas tudo isso tem uma “grande motivação”. Por trás de todo esse estardalhaço, a grande causadora da defesa intransigente e tresloucada da “Bíblia de Isidório” é uma suposta edição em português de uma “Bíblia Gay”, que, segundo o pastor sargento (!!!) “pretende tirar as referências que condenam o homossexualismo.” Em tempo: há anos muitos teólogos e teólogas já questionam as traduções e interpretações “majoritárias” do texto bíblico “normativo”. E esses questionamentos são sérios, procedentes e totalmente cabíveis.

O pavor de Isidório, que se afirma ex-gay, a qualquer coisa que vislumbre a possibilidade de aceitação da comunidade LGBT, principalmente no que se refere à fé cristã, é perceptivelmente uma perseguição deslavada e, quiçá, uma demonstração de força contra aquilo que tanto lhe aflige. Seja lá o que for.

E como tudo que é ruim ainda pode piorar, o pastor deputado compara em seu deplorável Projeto de Lei a orientação sexual diversa a crimes como o homicídio e práticas como adultério, prostituição e mentira: “prevendo que uma vez aberto o precedente para que haja um livro corporativista com nome (apelidado) bíblia gay ou de nomenclatura similar, em pouco tempo surgirá também outros livros apelidados de bíblia para outros segmentos de pecadores, a exemplo: homicidas, adúlteros, prostitutos, mentirosos etc. Ou seja, livros chamados de bíblia para livrar todo tipo de pecadores.”

É urgente que a laicidade do Estado seja defendida por todos. Não cabe ao Estado a legislação sobre o que é “pecado” ou não. Não é atribuição da Constituição segregar cidadãos entre “pecadores” e “não pecadores”. A simples elaboração de um Projeto de Lei como esse mostra o abismo político em que nos encontramos. Em um momento como esse (e em qualquer outro momento!), onde a fome volta a bater forte em nosso chão, onde enfrentamos uma pandemia que matou (por culpa do atual mandatário “abençoado por deus”) mais de 600 MIL pessoas, onde a violência predomina nas relações, é patético e bárbaro que um DEPUTADO tenha, como principal pauta, esse descalabro.

Para finalizar, a Bíblia de Isidório, machista, homofóbica, misógina e excludente NÃO encontra eco e espaço na fala amorosa, acolhedora, confrontadora e libertadora de Jesus Cristo, o pobre de Nazaré, tido por muitos como comelão, beberrão e “amigo de pecadores”. A Bíblia que Isidório quer como exclusiva é dele, só dele e para ele. E para a sua própria condenação!

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.