ESQUERDA NO PODER

Chile, laboratório político da América Latina

O Chile é um país que, no nosso continente, viveu algumas das experiências mais memoráveis da história política latino-americana.

Gabriel Boric durante discurso de posse.Créditos: Reprodução redes sociais/Gabriel Boric
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O Chile foi o laboratório de experiências políticas na América Latina, de forma similar à que Engels havia caracterizado a França, na Europa. O Chile é um país que, no nosso continente, viveu algumas das experiências mais memoráveis da história política latino-americana.



Primeiras experiências

 


O Chile teve um líder de esquerda, o grande marxista latino-americano Luis Emilio Recabarren, candidato de esquerda à presidência do país, em 1920. Foi apoiado pelos partidos comunista e socialista, fundados pouco tempo antes. 

Nos anos 30, o Chile foi o único país da América Latina a ter um governo de Frente Popular, conforme as orientações da Terceira Internacional, sob a presidência de Pedro Aguirre Cerda.

Essas experiências prematuras em relação a outros países do continente têm suas origens no fato de que o Chile teve uma economia primário-exportadora, mas exportadora de minerais - estanho, depois cobre. Assim, enquanto outros países produziam camponeses, o Chile já tinha, no final do século XIX, o surgimento de uma classe operária mineira. De tal forma que, no Chile, o proletariado nasceu antes da burguesia. Desses fundamentos vêm as experiências inovadoras do Chile.


Aliança para o Progresso

 


Já nos anos 60 o governo de Eduardo Frei foi a referência mais importante dos governos propostos para a Aliança para o Progresso, pelos Estados Unidos. Um tipo de governo que devia fazer reformas moderadas, como suposta forma de impedir que surgissem outras experiências revolucionárias, como a de Cuba. Acima de tudo, o objetivo da Aliança para o Progresso era realizar reformas agrárias que impedissem que as agudas contradições sociais no campo resultassem em novas alternativas revolucionárias. Processo que Frei tentou implementar, mas só conseguiu pela metade.

Mais tarde, a extrema direita chilena acusaria Frei de ser um Kerensky chileno, que teria acelerado, em vez de bloquear, as contradições no campo chileno.


O Chile seguiu seu caminho de laboratório de experiências políticas originais no continente, elegendo Salvador Allende, que chegou à presidência com um programa socialista para o país, experiência única no mundo, por seu caráter socialista e ao mesmo tempo democrático.


O golpe e depois

 


A virada do golpe militar com Pinochet fez com que o Chile permanecesse referência, desta vez da extrema direita. Depois da ditadura, o Chile tornou-se um estudo de caso para os Estados Unidos, na busca de compatibilizar democracia com neoliberalismo.

Foram essas heranças do passado as que explodiram nas manifestações de 2019, que demandavam uma nova Constituição em lugar da velha carta magna pinochetista, imposta em pleno estado de sítio e remendada várias vezes, mas não abolida. Os manifestantes também exigiam acabar com a herança do modelo neoliberal, igualmente sobrevivente do regime pinochetista.



A eleição de Boric

 


A eleição de Gabriel Boric, jovem líder estudantil que conheci em 2019, representa um novo capítulo das grandes inovações políticas que o Chile sempre trouxe para a América Latina. Um novo governo porque é antineoliberal, ao contrário dos governos anteriores. Novo, porque existe em paralelo com a Convenção Constituicional, que propiciará ao Chile uma nova Constituição, que inovará no plano da descentralização política, da atenção às demandas das mulheres, dos indígenas, das crianças e dos doentes, e responder às necessidades do meio ambiente.


Boric terá um marco legal propício para que seu governo represente uma nova experiência de democracia política, de políticas sociais e ecológicas. Um governo jovem, com grande participação de mulheres, que expressa essa nova cara do Chile do século XXI. Um governo que, 100 anos depois, poderá realizar os sonhos de Recabarren.


Isabel Allende, em seu último livro, "Violeta", conta a história de uma mulher nascida na pandemia da Febre Espanhola e que morreu, exatamente um século depois, em plena pandemia de coronavírus. Exatamente o tempo que passou desde a primeira tentativa da esquerda de governar o Chile até ao governo de Boric. 


Como se costuma dizer por lá: Viva o Chile, merda!