DESINFORMAÇÃO

A covardia da imprensa em comparar Putin com Hitler – Por Raphael Fagundes

A guerra é sempre algo ruim, mas dificilmente apenas um lado é o culpado

Vladimir Putin.Créditos: Isac Nóbrega/PR
Escrito en OPINIÃO el

A imprensa brasileira tem um poder de manipulação impressionante. O assunto da vez é a guerra entre a Rússia e Ucrânia. O embaixador Rubens Ricupero, cedeu entrevista para a CBN nesta sexta-feira, dia 25, comparando a ação de Putin com a invasão de Hitler à Polônia em 1939, evento que culminou na Segunda Guerra Mundial.

A jornalista Miriam Leitão reproduziu essa posição diversas vezes ao longo do dia, corroborando a ideia de que Putin age como o líder nazista. Carlos Sardenberg chegou a dizer, no CBN Brasil, que Putin estava invertendo as coisas ao chamar as lideranças ucranianas de neonazistas, quando na verdade é o dirigente russo que se aproxima do nazismo.

Essa forma de manipular a história esconde mais uma vez a responsabilidade dos países ocidentais em relação ao conflito, tanto referente à Segunda Guerra Mundial, quanto o que presenciamos hoje entre a Rússia e Ucrânia.

Na década de 1930, a escalada do nazismo foi assistida de camarote pelas potências ocidentais, como Inglaterra e França. Por “mais estranho que Hitler parecesse, tinha uma virtude muito apreciada pelos conservadores ingleses: odiava a União Soviética e todos os comunistas".[1] Sendo assim, Hitler foi violando as cláusulas do Tratado de Versalhes, fortalecendo seu exército e anexando territórios perante a apatia ocidental.

O discurso sustentado pela mídia é um absurdo, uma covardia historiográfica. Hitler invadiu diversos países do leste europeu e “levou de roldão a Noruega, Dinamarca, Países Baixos, Bélgica e França”.[2] Enquanto que Putin entrou apenas na Ucrânia.

Putin não possui uma política expansionista, quer que a Otan não incorpore mais um país da antiga URSS. A Otan já incorporou a Albânia, a Croácia, a República Tcheca, Eslováquia, Estônia, Hungria, Lituânia, Montenegro e Macedônia. Todas áreas da URSS. Mas se o comunismo acabou, qual é o interesse dos EUA em incorporar nações à Otan na beira da fronteira russa?

A Ucrânia seria a gota d'água, até por conta da sua relação com a Rússia desde o século IX. A Ucrânia é mais russa que Vladivostok, já que a Sibéria só fora anexada à Rússia nos finais do século XVI, por Bóris Godunov, sucessor de Ivã IV.[3]

Os EUA são muito mais expansionistas que a Rússia. Esta está se defendendo de um projeto estadunidense de ampliar sua influência em um mundo que perde cada vez mais seu poder de única superpotência. A maior parte dos analistas acredita que não era interessante para Putin a invasão, o ideal era apenas pressionar para que o governo local se posicionasse contrário à anexação da Ucrânia à OTAN. Mas, os EUA não recuaram, muito menos o sistema atual ucraniano, fruto de um golpe ocorrido em 2014 de caráter neonazista.

É interessante como tudo é relativo. Os bolsonaristas tinham o interesse de “ucranizar" o Brasil. A influencer Sara Winter disse que foi treinada  no país do leste europeu para trazer algo que pudesse ser implementado no Brasil.[4]

Mas o tabuleiro político se alterou e Bolsonaro se coloca “solidário à Rússia” e a imprensa estadunidense no Brasil defende a Ucrânia. O conflito de fato se dá entre os interesses dos EUA em manter seu poderio militar para assegurar influência econômica. Os estadunidenses parecem que “saíram” do Oriente Médio para investir num mercado consumidor mais rentável, neste caso, Europa.

Enfim, a guerra é sempre algo ruim, mas dificilmente apenas um lado é o culpado. A imprensa distorce as informações. Comparar Hitler a Putin, sendo que foram os russos que de fato aniquilaram o nazismo na Europa, é um delírio arendtiano covarde e alienante.

 

[1] GOLÇALVES, Williams da Silva. A Segunda Guerra Mundial. In: FILHO, Daniel Arão, FERREIRA, Jorge e ZENHA, Celeste (orgs.) O século XX: o tempo das crises. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 171

[2] HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX 1914-1991. 2 ed. São Paulo: Cia das Letras, 1997. p. 46.

[3] ANDERSON, P. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 333.

[4] https://theintercept.com/2020/05/31/sarah-winter-300-brasil/

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.