GUERRA NA UCRÂNIA

Nem EUA, nem Rússia; precisamos aprender com os chineses – Por Raphael Fagundes

Os EUA e a Rússia não têm muito a oferecer de novidade, mas seria interessante observar a experiência chinesa e suas propostas para uma vida equilibrada

Raphael: “Prefiro depositar minhas fichas no modelo econômico e político da China”.Créditos: Reprodução/Harvard
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A guerra na Ucrânia é vista por muitos como o preâmbulo de uma nova ordem mundial, uma ordem multipolar. Os EUA querem expandir seu poder na Europa por conta do poder que emana do Leste.

O problema é que se a alternativa aos EUA for a Rússia, não melhora muita coisa. O gigante eurásico abriu para o capitalismo nos anos 1990, provocando um grande aumento da desigualdade social. A burguesia mafiosa russa que explora o proletariado em várias partes do mundo é a base do governo de Putin.

O presidente russo tem ojeriza ao socialismo e apoia diversos movimentos de extrema direita, inclusive na França, onde Marine Le Pen é sua correligionária. Putin está mais próximo do ideal do antigo Império Russo, que explorava os trabalhadores das nações próximas, que de Stalin que promoveu o desenvolvimento industrial e intelectual das diversas repúblicas que compunham a URSS.

Stalin criou universidades nas nações da URSS e, sobre a Ucrânia, dizia: “É claro que a nação ucraniana existe e que os comunistas devem desenvolver a sua cultura".[1] Putin só quer manter a influência dos seus capitalistas na Ucrânia, encarando esta como uma nação fake criada por Lênin.

Não precisamos falar sobre o império americano aqui. Sua exploração no mundo, sobre os países pobres, é sabida e incontestável. Mas se os EUA são os vermes do mundo, os causadores do aumento da concentração de renda e da pobreza, a Rússia não é muito diferente.

Mas as pessoas ficam discutindo, por meio da velha lógica maniqueísta, sobre quem é o mal e quem é o herói do conflito que se estabeleceu no Leste Europeu. Acredito que essa discussão seja infrutífera. E se tivermos que escolher entre os EUA e a Rússia, de fato não há mais esperança para a humanidade.

Mas prefiro ser otimista. Prefiro depositar minhas fichas no modelo econômico e político que vem ocupando o lugar de maior potência do mundo: a China. Não por ela ser socialista, mas pelo fato de ela ser socialista e capitalista ao mesmo tempo.

Em relação à Ucrânia, os chineses afirmam que sua relação de amizade com a Rússia é sólida como uma rocha e, no dia seguinte, envia ajuda humanitária para o país invadido. Frente ao conflito adotam “uma postura mais ambivalente, fustigando a responsabilidade norte-americana na eventualidade de um conflito sem apoiar o recurso à força por parte de Moscou".[2]

Esse fenômeno só pode ser possível na China devido a sua cultura de mais de cinco mil anos. O taoísmo tinha uma forma peculiar de encarar o mundo. “O Universo revela-se, pois, constituído por uma série de formas antitéticas que se alternam de maneira cíclica”.[3] É a lógica estrutural do yin e yang. Enquanto nós ocidentais buscamos polarizar, numa perspectiva muito próxima do zoroastrismo, os chineses procuram alternar.

Confúcio irá materializar ainda mais esse pensamento, tornando-o útil na vida prática, inclusive na vida política. Mircea Eliade destaca que para o confucionismo “o ‘homem superior' deve preocupar-se primeiro com a existência humana concreta, tal como é vivida aqui e agora".[4] É dentro desta lógica que o marxismo adentra a grande nação oriental.

É através deste aspecto que devemos compreender a relação da China com o mundo. Escolher entre Rússia e EUA é permanecer numa lógica baseada na polaridade que se preocupa imensamente com ideologias, moralidades etc. Sejam estas ideologias baseadas no lucro acima de tudo, na liberdade individual suprema ou num império supremo. Os EUA e a Rússia não têm muito a oferecer de novidade para o mundo, mas, por outro lado, seria interessante observar a vasta experiência dos chineses e suas propostas para uma vida equilibrada.

 

[1] Apud. LOSURDO, D. Stalin: História crítica de uma lenda negra. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 203.

[2] RICHARD, H. e ROBERT, A-C. Sanções e guerra no conflito ucraniano. Le monde diplomatique Brasil, n. 176, p. 19.

[3] ELIADE, M. História das crenças e das ideias religiosas. V. 2. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 26.

[4] ELIADE, M. História das crenças e das ideias religiosas. V. 2. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 29.

*Esse texto não reflete necessariamente a opinião da Fórum.