INTERCÂMBIO DE CONHECIMENTO

A Construção do Ecossistema Científico Brasil-Israel – por Ana Beatriz Prudente Alckmin

O Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, no Brasil, e o Instituto Weizmann de Ciências, em Israel, anunciam neste mês de abril um programa de bolsas de pós-doutorado para pesquisadores brasileiros, chamado de iniciativa Ciência Pioneira

Ana Beatriz Prudente Alckmin e o diretor executivo do IDOR, Felipe Spinelli.Créditos: Arquivo Pessoal
Escrito en OPINIÃO el

O território brasileiro é fundamental para os estudos ambientais, por isso, o mundo olha para o Brasil e para tudo o que acontece aqui e que possa comprometer a natureza brasileira. O porquê desse interesse mundial aqui? No Brasil são encontrados seis biomas com características distintas: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e o Pantanal. Cada um desses biomas possui uma imensa biodiversidade de fauna e flora, tão rica que podemos dizer com tranquilidade que muitos animais e plantas não foram sequer catalogados; no que diz respeito à nossa floresta amazônica, ela representa 1/3 das florestas tropicais do mundo, sendo de extrema importância para a manutenção dos serviços ecológicos do planeta.

Além disso, aqui acontece um fenômeno que a ciência do mundo inteiro ainda tenta compreender, a Anomalia Magnética do Atlântico Sul, uma região onde a parte interna do cinturão de Van Allen tem grande aproximação com a superfície terrestre. A AMAS (Anomalia Magnética do Atlântico Sul) é uma espécie de falha na proteção magnética da Terra situada exatamente sobre o Atlântico Sul, para ser mais exata, nas regiões Sul e Sudeste do território brasileiro e chegando até o continente africano. Percebam que é impossível compreender o planeta Terra do ponto de vista astronômico, biológico, físico e químico sem estudar o Brasil.

Além disso, a população brasileira tem uma miscigenação única, porque aqui se encontram populações que vieram de todos os blocos continentais; por assim dizer, temos uma variabilidade fenotípica imensurável. Uma amostra disso é como a enorme miscigenação brasileira faz com que doenças que são típicas de povos africanos, no Brasil, acomete em pessoas com um fenótipo branco como, por exemplo, a anemia falciforme. Obviamente é uma condição genética que é mais comum na população negra brasileira, mas aqui nós encontramos também em pessoas brancas. Isso faz com que indústrias como farmacêuticas e cosméticas queiram sempre desenvolver pesquisas no território brasileiro.

Dito tudo isso, é nítido que precisamos investir em pesquisas no Brasil, não só como contribuição para a própria ciência brasileira, para com a sua população, mas também para o mundo. Por conta da nossa vasta riqueza territorial e de biomas, o Brasil deveria ser um dos maiores polos de pesquisas do planeta, mas não o é. Nós sofremos constantemente com desfalques nos investimentos públicos de pesquisa e essa cultura precisa mudar. O ecossistema científico do nosso país precisa ser fortalecido e, nesse sentido, todas as parcerias internacionais de pesquisa, desde que sejam éticas, devem ser realizadas. Essas parcerias têm de ser feitas com todos os países, contudo, existe um país em especial que alcançou um alto nível de produção cientifica, um país jovem que chegou a um padrão de pesquisa elevado e têm se movimentado na cooperação com as pesquisas brasileiras: Israel.

Com um território menor do que o estado de São Paulo, Israel, com cerca de 8,78 milhões de habitantes e apenas 74 (em maio) anos de existência, é atualmente o segundo maior polo tecnológico do mundo. Para conseguir chegar nesse nível, o país investe uma quantidade significativa do seu PIB em pesquisas e desenvolvimentos tecnológicos e, como retorno deste incrível investimento, o país conta com 12 cidadãos agraciados com o Prêmio Nobel nas áreas da física, química, economia e paz.

Um fator histórico que faz com que o povo israelense coloque a ciência como prioridade é que quase 1,5 milhão de judeus chegaram ao país depois da queda do muro de Berlim, em 1989. E, dentre esses imigrantes, muitos engenheiros, médicos e cientistas das áreas biológicas, exatas e humanitárias, o que trouxe um grande impulso na importância e no investimento da ciência e suas tecnologias.

Ana Beatriz Prudente Alckmin e a vice-presidente da Associação Amigos do Weizmann do Brasil, Regina Pekelmann Markus

Outro ponto importante para o seu aproveitamento profundo na ciência é que o solo de Israel é extremamente pobre e, em grande parte, inadequado ao cultivo de qualquer produto agrícola. Por conta disso, muitos israelenses se dedicam a conseguirem colher produtos que se adequam a sua realidade climática, transformando terrenos considerados desérticos em áreas de grande produtividade. Os investimentos mais significativos são nos campos industriais, agrotecnológicos e médicos. Isso faz com que Israel seja uma nação pioneira em biotecnologia agrícola. Além de ser campeão em sustentabilidade no saneamento básico, reciclando seu esgoto para usar seu fluxo aquoso na agricultura.

Como vocês leitores podem observar, Israel criou muito, mesmo com poucos recursos naturais. Isso é resultado de uma escolha política onde se priorizou a produção de pesquisas. E imaginar o tamanho que essa produção teria se o país tivesse a riqueza da biodiversidade brasileira... Até então, parece que Brasil e Israel são países completamente diferentes, mas há uma característica comum entre eles, uma particularidade que Israel soube usar a seu favor e o Brasil não. Estou falando do multiculturalismo: Israel é um país formado por diversos grupos étnicos e por famílias judias vindas de diversos lugares do globo, inúmeras pessoas vindas de países como a Romênia, Tailândia, China e de vários países da África e da América do Sul fizeram de Israel seu lar.

Ou seja, qualquer situação lá será vista por diversas perspectivas, as pessoas, sendo israelenses por nacionalidade ou não, trazem uma bagagem com grande diversidade cultural, e essa diferença de aspectos com certeza acarreta uma produção científica muito mais rica. O fato é que a diversidade dentro da ciência faz com que concepções, valores, motivações e métodos diferentes sejam apresentados dentro das áreas técnicas, permitindo produzir melhores respostas para a sociedade como um todo. Deste modo, Israel vem formando nos últimos anos uma classe de cientistas com diferentes perfis e visões de mundo.

A questão da desigualdade social no Brasil é muito mais profunda do que a situação israelense. Aqui nós ainda não conseguimos democratizar o acesso ao conhecimento voltado para a ciência, então o riquíssimo multiculturalismo brasileiro ainda não se reflete efetivamente na produção científica do nosso país. Quando o Brasil conseguir universalizar de fato o acesso à educação de qualidade, nós teremos todos os problemas da sociedade analisados por inúmeros pontos de vista, trazendo soluções muito mais versáteis, efetivas e concretas.

Neste ponto, está muito explícito que o Brasil tem muito a ganhar ao fazer parcerias em pesquisas com Israel. Todavia, devemos entender que essas trocas, essas produções científicas parceiras, precisam atender ao interesse da população, ou seja, as descobertas precisam impactar socialmente a vida dos brasileiros. Por isso, é importante que as parcerias com Israel não sejam feitas somente por institutos privados brasileiros e institutos privados israelenses. Precisamos que as universidades públicas brasileiras atuem nessas colaborações com as universidades israelenses com o intuito de que haja uma produção de conhecimentos que cheguem com mais efetividade à vida da população, para atender às suas necessidades. Dois “cases” já estão em andamento: um entre entes estatais brasileiras e israelenses e outro entre entidades privadas brasileiras e israelenses.

INSTITUTO D'OR E INSTITUTO WEIZMANN

O Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, no Brasil, e o Instituto Weizmann de Ciências, em Israel, anunciam neste mês de abril um programa de bolsas de pós-doutorado para pesquisadores brasileiros, chamado de iniciativa Ciência Pioneira. A colaboração entre as instituições irá oferecer 15 bolsas de pós-doutorado no Instituto Weizmann de Ciências, um dos melhores centros de pesquisa do mundo segundo o Nature Index.

A proposta dessa parceria é promover um treinamento avançado de jovens cientistas no exterior e trazê-los de volta ao Brasil para acelerar o desenvolvimento da mais alta qualidade de Ciências inovadoras. O programa de bolsas de estudo “Weizmann / IDOR Pioneer Science Fellows” é uma iniciativa da Ciência Pioneira e é apoiada pela família Moll e pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), que, em parceria com o Instituto Weizmann de Ciências de Israel, está lançando essa nova colaboração.

Representantes dessas instituições se reuniram na sede do IDOR, no dia 7 de abril, em São Paulo, para oficializar a parceria. Ela está planejada para acontecer durante o período inicial de dez anos (2022 a 2031), e irá oferecer 15 bolsas de pós-doutorado para pesquisadores brasileiros.

Na comemoração estiveram presentes os cofundadores do IDOR, Dra. Fernanda Tovar-Moll, Presidente do IDOR, e Dr. Jorge Moll Neto, Presidente do Conselho Administrativo do IDOR e um dos idealizadores da iniciativa Ciência Pioneira; o Prof. Roee Ozeri, Vice-Presidente do Instituto Weizmann de Ciências; Mario Fleck, Presidente da Associação de Amigos do Weizmann do Brasil; e a Prof. Regina P. Markus, professora da USP e Vice-Presidente da Associação de Amigos do Weizmann do Brasil.

Mario Fleck, Presidente da Associação de Amigos do Weizmann do Brasil, ressalta: “Eu acho que esse passo, que essa parceria entre o IDOR e o Instituto Weizmann, permite o acesso de jovens cientistas brasileiros ao melhor que esteja sendo desenvolvido na ciência em Israel. Como existe uma tradição muito forte na ciência israelense, eu acho que essa oportunidade de compartilhar, de dividir, de transferir conhecimento é excelente para a ciência brasileira. Sabemos que o Brasil não é um país que leva a ciência no mesmo patamar de prioridade e de importância que outras nações, portanto essa é uma oportunidade de tentar, mesmo que de leve, compensar um pouco esse viés.”

Os bolsistas serão selecionados por meio de processos seletivos e as bolsas serão direcionadas a pesquisadores qualificados que tenham os requisitos acadêmicos que o Instituto Weizmann de Ciências procura. As propostas de pesquisas devem buscar interfaces entre as áreas das ciências da vida, ciências exatas e da saúde. Os selecionados terão a oportunidade de ter um treinamento avançado ao longo de 3 anos no Instituto Weizmann de Ciências, além de participarem de atividades científicas conjuntas entre o Instituto Weizmann de Ciências e o IDOR, para estimular e fortalecer essa e futuras colaborações. Após concluir o programa, os bolsistas estarão capacitados a retornar ao Brasil e desenvolver suas carreiras no IDOR ou em outras instituições. O IDOR também planeja oferecer apoio financeiro e logístico para montarem seus grupos de pesquisas e apoiar viagens internacionais

O Instituto Weizmann de Ciências é um dos principais institutos multidisciplinares do mundo e conta com mais de 3.000 funcionários, dentre cientistas, técnicos de laboratórios e estudantes. Há mais de 70 anos reúne esforços e pesquisas que incluem a busca por novas formas de combater doenças e proteger o meio ambiente. Os cientistas do Instituto já inventaram a amniocentese e fármacos de sucesso para esclerose múltipla e câncer, além de desenvolverem nanomateriais e tecnologia avançada em computação.

A iniciativa Ciência Pioneira foi idealizada com o propósito de apoiar a formação, o desenvolvimento e a retenção de talentos da ciência no país, além de financiar pesquisas de fronteira através de parcerias com instituições de ponta no Brasil e no exterior.

PROJETO AGRÍCOLA 4.0

Um exemplo de uma iniciativa que envolve entes estatais do Brasil e de Israel é o projeto Escola Agrícola 4.0, que propõe a criação de um centro de treinamento para agricultores, cooperativas, estudantes, investidores e a população geral, com oferta de cursos, palestras e seminários. Os treinamentos e as qualificações serão voltados para as áreas de inovações sociais na agropecuária, empreendedorismo, gestão de negócios, inclusão digital, agricultura de precisão, entre outros.

O centro ainda terá espaço para executar um Hub de Inovação, uma plataforma física de conexão entre novas startups, estudantes, investidores, empresas e usuários com o objetivo de desenvolver novos produtos e tecnologias, em um viés de crescimento para a aplicação no mercado agropecuário, facilitando e criando oportunidades de negócios.

Por fim, o projeto também tem em seus planos futuros, introduzir a inteligência artificial e demais tecnologias agrícolas para se ter um aumento na produção do campo, que contará com a redução de resíduos, do desgaste do solo, da contaminação das águas, da perda de plantações e recursos e, assim, diminuir a perda de recursos econômicos, ao mesmo tempo que promove o engajamento do produtor em sistemas de controle e monitoramento que gerenciam o aumento da produção e a melhoria da qualidade dos produtos.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum