GOLPISTA

A vivandeira Jair Bolsonaro – Por Chico Alencar

Os ataques ao voto eletrônico são hoje o principal cavalo de Troia dos golpistas para um golpe de Estado e a não aceitação de um resultado eleitoral adverso

Jair Bolsonaro discursa em Maringá..Créditos: TV Brasil/Reprodução
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Tales Faria, colunista de política do portal UOL, há poucos dias lembrou uma declaração do general Castelo Branco, o primeiro ditador do regime instaurado em 1964. A frase foi proferida poucos meses depois do golpe. Nela, Castelo – que se opunha à chamada “linha dura” - ridicularizou políticos direitistas que viviam a bajular militares para que atropelassem o pouco de Constituição que restava ao País.

Disse o general, referindo-se àqueles políticos civis de extrema-direita: “São, muitos deles, os mesmos que desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar."

Vale lembrar duas coisas: bivaques eram acampamentos de militares, a céu aberto; e vivandeiras, mulheres que seguiam as tropas, vendendo produtos variados aos soldados. As duas expressões vêm dos tempos da Guerra do Paraguai (1864-1870).

A frase de Castelo Branco incorporou-se à cultura política do País e foi usada outras vezes para denunciar civis golpistas.

Agora, adequa-se perfeitamente ao comportamento do atual presidente. Jair Bolsonaro bajula todo o tempo os militares, em busca de apoio a seus projetos de ataques à democracia. Tornou-se a versão contemporânea das antigas “vivandeiras alvoroçadas”, que andavam a bulir com os granadeiros.

Aproveitando-se de um movimento infeliz do então presidente do TSE Luís Roberto Barroso, que ingenuamente convidou o Exército para acompanhar o processo eleitoral e participar da comissão que examina as urnas eletrônicas, Bolsonaro procura todo o tempo disseminar dúvidas sobre a confiabilidade dessas últimas.

Ora, Barroso errou ao fazer tal convite. Militares têm que se ater a seu papel constitucional, de defesa da integridade territorial do País. Não têm nada que se meter em eleições ou em qualquer outro assunto que não seja de sua alçada.

A iniciativa foi aproveitada por Bolsonaro. Com o claro intuito de criar confusão, o presidente – que assumiu o papel de vivandeira-mor - tem defendido até mesmo uma contagem manual paralelamente à totalização dos votos eletrônicos. Assim, haveria votos informatizados e outros em papel.

Mais: chegou até mesmo a afirmar que seu partido – aquele PL, do notório Valdemar da Costa Neto – contrataria uma auditoria privada para fiscalizar as eleições, como se isso fosse possível.

Seria enorme ingenuidade achar que, por trás desse comportamento de Bolsonaro não há segundas intenções.

Seria, também, ingenuidade pensar que ele aceitará passivamente perder a eleição de outubro. Não à toa já andou anunciando que aquele grotesco episódio de ocupação do Capitólio nos Estados Unidos por partidários de Donald Trump será uma brincadeira de criança em comparação ao que acontecerá aqui no Brasil.

Que ninguém se iluda: qualquer proposta hoje de retroceder à contagem manual de votos, como quer Bolsonaro, tem como objetivo criar uma confusão que será usada por milicianos partidários do presidente para desacreditar um processo de votação e apuração usado desde 1996, sem que, em todo esse tempo, tenha havido qualquer razão para que se tenha desconfiança em relação a ele.

Uma vez criada a confusão – que é o que deseja Bolsonaro - resta saber quem restabelecerá a ordem? O Exército? As polícias? As milícias?

Os ataques ao voto eletrônico são hoje o principal cavalo de Troia dos golpistas para um golpe de Estado e a não aceitação de um resultado eleitoral adverso.

Todo cuidado é pouco.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.