NEOLIBERALISMO

Se não fosse a pandemia a situação poderia ser ainda pior – Por Raphael Fagundes

Ou a esquerda vence as eleições ou o horror econômico e a barbárie social vão imperar

A pandemia retardou os planos macabros do governo Bolsonaro.Créditos: NIAID/NIH
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Pode ser um absurdo, mas se não fosse a pandemia, o cenário brasileiro poderia ser ainda pior.

A queda nos empregos de carteira assinada[1] e, consequentemente, o aumento da informalidade, é um projeto do neoliberalismo que vem de muitos anos. O golpe de 2016 teve como objetivo promover o teto de gastos e reformular as leis trabalhistas. Estes dois elementos têm como objetivo fragilizar a estabilidade do emprego e desamparar os vulneráveis, já que a meta era enfraquecer os serviços públicos prestados à população.

Ou seja, se, por um lado, é difícil se manter no emprego, por outro, o cidadão fica sem assistência quando está desmpregado. O objetivo é deixar o indivíduo sem ter para onde correr. A única solução seria a informalidade ou recorrer a trabalhos como motorista de uber etc.

Os trabalhadores são forçados, para ganhar a vida, a se submeterem a condições de trabalho sem direitos claros, sendo alimentados ideologicamente pelo discurso da (falsa) liberdade. Não é à toa que o presidente Bolsonaro usa tanto a palavra liberdade e, por conseguinte, tira a responsabilidade da atuação do Estado em várias questões, como na segurança pública, na gestão da saúde, na educação (com a proposta do homescholling) e, por que não, na geração de empregos.

Mas a pandemia retardou um pouco estes planos macabros. O Estado teve que, embora de forma parca e cheia de relutâncias, investir minimamente em saúde, com a compra de vacinas, recuar no projeto de homescholling e ter que criar um auxílio de 400 reais por mês para as famílias vulneráveis. Além disso, criou mecanismos para o saque do FGTS.

A pandemia intensificou a situação de crise, levando a limites inimagináveis para a efetivação do projeto neoliberal e da espoliação da mão de obra em nome da maximização dos lucros. Os governos, em várias regiões do mundo, tiveram que recuar. O Estado passou a intervir mais na economia para que um colapso não levasse as nações à ruína. A tragédia retardou a catástrofe.

Se não fosse a pandemia, as consequências do desemprego teriam sido ainda mais cruéis, a fragilidade no trabalho teria se expandido sem nenhum auxílio, caso este trabalhador perdesse sua fonte de renda. Como, de fato, as relações que mais definem o sistema capitalista, são as relações econômicas, neste âmbito, o plano neoliberal vem sendo bem-sucedido. As taxas de lucro da alta burguesia estão cada vez maiores, seus patrimônios estão em expansão, enquanto o preço dos produtos aumentam e a miséria também.

É claro que aqueles que perderam seus entes queridos, por conta da doença, não acham que a pandemia os salvou de uma miséria maior. Mas para o capital, que pouco se importa com as vidas humanas, a pandemia prejudicou, sim, sua escalada rumo à pauperização predatória dos trabalhadores.

É como explica Viviane Forrester, quando destaca que a expansão dos negócios satura o planeta em detrimento das vidas: “A prioridade de seus balanços ocupa o lugar de lei universal, de dogma, de postulado sagrado, e é com a lógica dos justos, a impassível benevolência das boas almas e dos grandes virtuosos, a gravidade dos teóricos, que se provoca o desnudamento de um número sempre crescente de seres humanos e que se perpetra a subtração dos direitos, a espoliação das vidas, o massacre das saúdes, a exposição dos corpos ao frio, à fome, às horas vazias, à vida horrificada".[2]

Não podemos dizer que o sistema neoliberal não está funcionando, porque estamos constatando um aumento da miséria, dos direitos trabalhistas, do desinvestimento do Estado, o aumento da desigualdade etc. Não! Isto acontece quando o neoliberalismo está funcionando a todo vapor. Mas sempre haverá a retórica da crise para fazer com que as pessoas continuem a defender esse sistema. Tudo isso está acontecendo, mas de forma menos intensa do planejado. E veja o estrago que estamos vendo.

Se a esquerda não se organizar, com o fim da peste, este projeto irá se fortalecer, e a última barreira que impede a sua plenitude será ultrapassada: o Estado. Com o fim da pandemia, o auxílio pode ser derrubado, o abandono do sistema de saúde e de outros setores públicos pode, enfim, ser concretizado. Ou a esquerda vence as eleições ou o horror econômico e a barbárie social vão imperar.

[1] https://www.google.com/amp/s/g1.globo.com/google/amp/economia/noticia/2022/05/18/brasil-perde-28-milhoes-de-trabalhadores-com-carteira-em-8-anos-informalidade-e-conta-propria-crescem.ghtml

[2] FORRESTER, V. O horror econômico. São Paulo: EdUnesp, 1997, p. 33.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.