CIDADES

Conferência Popular das Cidades - Por Raimundo Bonfim

A CMP e mais de 400 entidades de movimentos populares, coletivos e grupos territoriais realizam de 3 a 5 de junho, em São Paulo, a Conferência Popular pelo Direito à Cidade com o objetivo de construir, democraticamente, uma plataforma de lutas urbanas voltadas para o combate à desigualdade social

Escrito en OPINIÃO el

O Brasil vive a mais grave crise política, social e econômica de sua história e, com esse cenário, os direitos coletivos têm sido desmontados no país em razão do sistema capitalista. Nos últimos anos, a desigualdade social se aprofundou nas cidades e tem castigado a maior parte da população brasileira que vê seus direitos fundamentais - em educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer e segurança - violados. Neste contexto, discutir o direito à cidade para que todos possam usufruir de uma vida melhor é um tema necessário e urgente para os movimentos populares.

Desde o golpe de 2016, as “forças conservadoras” que passaram a governar o nosso país têm praticado um verdadeiro retrocesso nas políticas sociais com a destruição, por exemplo, de ações de combate à fome, políticas habitacionais, de meio ambiente, saúde, educação e desvalorização do salário mínimo, entre outras medidas que afetam diretamente a vida na cidade. Em um ritmo assustador, estão acabando com tudo o que foi legitimamente conquistado a duras penas pela nossa população. Não é por acaso que o vazado plano dos militares – se manter no poder (ao menos) até 2035 – preveja o fim do Sistema Único de Saúde (SUS) gratuito até 2024 – um absurdo!

O avanço do neoliberalismo e da lógica do capitalismo, com a privatização de empresas estratégicas para o crescimento do país, têm acabado com a noção de público e impactado as cidades brasileiras. Os espaços públicos passaram a ser regidos pela lógica da mercantilização, deixando de atender às necessidades daqueles que mais precisam. É preciso resgatar a importância do que é público e, assim, promover ferramentas de democratização do debate sobre as cidades. Neste sentido, defendemos o Estatuto das Cidades - conquistado após muita luta dos movimentos populares - que reforçou a importância dos planos diretores como principais instrumentos de efetivação do direito à cidade, visando combater processos promotores das desigualdades urbanas.

A discussão pelo direito à cidade passa ainda pela recuperação do trabalho e renda no país. A reforma trabalhista de 2017 aliada a novas tecnologias promoveu desemprego recorde no Brasil. A renda do trabalhador e da trabalhadora é a menor dos últimos 10 anos. O resultado desta tragédia é um país com milhões de famílias vivendo em situação de extrema pobreza, correndo atrás de caminhões com ossos de carne para matar a fome, enquanto tentam sobreviver nas periferias do país ou até mesmo em moradias feitas de palafitas. Todo esse cenário de desigualdade social vivida nas cidades brasileiras é acentuado também pelo racismo estrutural que mata cada vez mais a população negra do nosso país, pela crise ambiental que gera conflitos e disputas por território, somando-se também a esse quadro catastrófico a migração ambiental, quando pessoas precisam deixar seus locais de origem em razão da degradação do meio ambiente.

O momento de fortalecer a luta contra esta visão capitalista e racista que nega o direito à cidade para a maior parte da população brasileira é agora. Estamos a cerca de cinco meses para as eleições e a Central de Movimentos Populares (CMP), junto aos demais movimentos populares, está atenta pois quem é verdadeiramente dono deste país – o povo brasileiro – deve ter o poder de exigir e ser atendido nas suas reivindicações.

É a hora de colocar um ponto final na tragédia urbana brasileira e rever as reformas (ou melhor, deformas) que cortaram investimentos em áreas vitais como saúde, educação, moradia e assistência social e ainda roubaram direitos – como as reformas trabalhista e da previdência – em prol de medidas que devolvam a dignidade e os sonhos da nossa população.

Por outro lado, aqueles que são contrários a esta tragédia como o movimento negro, de coletivos, sindicatos, universidades, partidos, movimentos de mulheres, LGBTQIA+, moradores de favelas, jovens pela cultura, luta pela moradia entre outros, estão fortalecidos e irão lutar até o fim para dar um basta nesta situação. Um dos exemplos desta luta é o sucesso da campanha Despejo Zero, que conseguiu impedir que milhares de pessoas fossem despejadas em plena pandemia da Covd-19.

É hora de elevar o nível de organização, formação e mobilização em defesa de uma sociedade justa, igualitária, democrática e soberana. É hora de disseminar a esperança, retomar nossos direitos e resgatar nossas cidades como lugares de vida em comum, onde todas e todos podem ser socialmente iguais, humanamente diferentes e livres da opressão, exploração e discriminação. É preciso, também, redirecionar os investimentos públicos para a reparação histórica e para a redistribuição das riquezas para superar os abismos e as barbáries instaladas.

Por tudo isso, a CMP e mais de 400 entidades de movimentos populares, coletivos e grupos territoriais realizam de 3 a 5 de junho, em São Paulo, a Conferência Popular pelo Direito à Cidade com o objetivo de construir, democraticamente, uma plataforma de lutas urbanas voltadas para o combate à desigualdade social e à predação ambiental. A intenção com a realização do evento é participar da democratização do país por meio de uma articulação de agentes, atores e entidades vinculadas a vida urbana, além de inserir o tema das cidades no projeto nacional a ser definido por ocasião das eleições em outubro próximo.  O processo é inédito do ponto de vista da metodologia e da participação diversificada de sujeitos envolvidos. Para a realização da Conferência, ocorreram 232 eventos preparatórios, envolvendo milhares de pessoas que debateram todos os aspectos das cidades. Agora, vamos debater em conjunto os problemas dos municípios brasileiros, apontar propostas de lutas e colocar a pautas das cidades na agenda política e no debate eleitoral. Ao final do evento, aprovaremos um documento que servirá de instrumento de lutas urbanas para construir cidades inclusivas.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum