QUE FRAUDE?

A Justiça Eleitoral e o golpismo do ex-capitão e de um ou outro general – Por Chico Alencar

Basta que alguns eleitores mal-intencionados (talvez milicianos) afirmem que votaram em A e a urna imprimiu um voto em B para que se crie a confusão. Se isso acontecer em centenas ou milhares de casos, estará comprometida a eleição

Jair Bolsonaro votando nas eleições de 2020.Créditos: YouTube/Reprodução
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A Justiça Eleitoral no Brasil foi uma conquista da Revolução de 1930 – revolução que, é bom que se diga, não foi tão revolucionária assim. Mas, de qualquer forma, começou a limitar o poder das oligarquias regionais, que davam as cartas no País sem serem contestadas.

No Brasil da República Velha, os grandes fazendeiros controlavam inteiramente o poder político. Era o tempo do "café com leite", quando se revezavam no poder da República representantes das oligarquias paulista e mineira. Era o tempo dos "coronéis" e dos bacharéis, das eleições "a bico de pena", do "voto de cabresto", dos "currais eleitorais". Quem mandava na região mandava na eleição.

Aliás, é bom lembrar, o voto não era secreto e cada eleitor se via diretamente cobrado pelo chefe político local, que fiscalizava se ele havia votado de forma “correta”.

Criada a Justiça Eleitoral, ela passou a organizar as eleições, o cadastro eleitoral sem "fantasmas" e o próprio pleito. Ela ficou, ainda, encarregada de apurar os votos e proclamar e diplomar os vencedores.

Nosso sistema eleitoral foi sendo aperfeiçoado ao longo do tempo. Passou-se do voto por meio da colocação de uma cédula com o nome do candidato num envelope, ao modelo de cédula única, na qual o eleitor escrevia o nome ou o número dos candidatos. Isso já foi um baita avanço, pois, no sistema anterior, ao longo do dia de votação muitas vezes desapareciam das cabines cédulas de candidatos não apoiados pelos chefes políticos locais.

Desde os anos 70, acompanhei várias eleições com o voto ainda manual. Havia uma enormidade de roubos, tanto na contagem dos votos, quanto na sua transcrição para os mapas de totalização. Quem não fiscalizava dançava!

Mais: como a contagem de votos estendia-se durante dias e dias, era enormemente difícil organizar uma fiscalização eficiente até o fim da apuração. Isso, sem falar na intimidação física de fiscais em vários locais de apuração.

Assim, no transcorrer desse processo de aperfeiçoamento, a introdução das urnas eletrônicas, elemento central de nosso processo de votação, foi uma importantíssima conquista tecnológica e antifraude.

Mas hoje, em pleno ano de 2022, elas estão sob forte ataque, inspirado pelo próprio presidente da República. Com isso, a própria democracia fica ameaçada.

A cúpula das Forças Armadas, que, por meio do Ministro da Defesa, reagiu à crítica (correta) do ministro Barroso (do STF), sobre seu envolvimento na tentativa de desacreditar o sistema eleitoral, não deu um pio quando Bolsonaro pediu que elas fizessem uma "apuração paralela" do pleito de outubro, até instalando "uma sala à direita no prédio do TSE" (?!?). Golpismo descarado e... "naturalizado"!

Agora, por conta do bom jornalismo do Estadão (“O Estado de S. Paulo”, 4/5/22), sabemos a razão desse silêncio cúmplice: nos últimos oito meses, a cúpula das Forças Armadas enviou cinco ofícios ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), através do general Eber Portela, a mando do então ministro general Braga Netto. Eles questionavam, em 88 "perguntas", as urnas eletrônicas. Nos mesmos termos dos ataques de Bolsonaro ao modelo! Pelo visto, estão combinadinhos...

Mas, atenção: foi o próprio TSE quem, certamente diante de pressões do próprio presidente da República, convidou os militares para participar da verificação, sabe-se lá qual a razão. Talvez pelo péssimo costume da submissão, de aceitar ser tutelado nesse país de tanta militarização da política.

A proposta de Bolsonaro de fazer uma contagem paralela de votos impressos saídos das urnas eletrônicas, para “fiscalizar” os resultados tem um único objetivo: tumultuar as eleições.

Basta que alguns eleitores mal-intencionados (talvez milicianos) afirmem que votaram em A e a urna imprimiu um voto em B para que se crie a confusão. Se isso acontecer em centenas ou milhares de casos, estará comprometida a eleição. 

Lembremos que a votação eletrônica é plenamente auditável, que a Justiça Eleitoral deu acesso aos partidos a todos os programas utilizados e que nunca houve um só caso de fraude comprovada.

Por fim, nunca é demais registrar que a destinação constitucional das Forças Armadas não é fiscalizar eleições ou imiscuir-se no processo eleitoral. Seus quadros, se quiserem participar da vida política nacional, devem passar para a reserva, aposentar a farda, depor as armas, filiar-se a um partido e disputar as eleições. Que estejam em igualdade de condições, na pista.

Fora disso é intervenção indevida e golpista!

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.