SIMÃO DE BACAMARTE

O alienista e Bolsonaro: semelhanças e diferenças

O alienista se deu conta de que ele estava na contramão de tudo e de todos e, por conta própria, resolveu sair de cena e se internar. Não é o caso de Bolsonaro

O alienista e Bolsonaro: semelhanças e diferenças.
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“O Alienista” é um conto muito conhecido daquele que é reputado como o maior escritor brasileiro de todos os tempos: Machado de Assis. Foi publicado pela primeira vez em 1882. Tem como personagem principal Simão Bacamarte, um alienista (que era a forma como se designava, na época, um psiquiatra).

Depois de uma carreira de prestígio na Europa, o doutor Bacamarte volta ao Brasil e resolve desenvolver estudos sobre a mente humana.

Cria, então, em Itaguaí, um manicômio para abrigar os doentes que proporcionariam material para suas pesquisas.

A partir de certo momento, porém, Bacamarte passou a identificar sinais de loucura em todo mundo. Chega a internar a própria mulher, dona Evarista. A quantidade de pacientes no seu hospital cresce até chegar a 75% dos habitantes da cidade, que fica à beira de uma revolução.

A Revolta dos Canjicas – assim chamada por ser liderada por um barbeiro de nome Porfírio, conhecido como Canjica – cria uma enorme confusão, mas faz com que Bacamarte chegue a uma conclusão que lhe pareceu lógica: se todos os demais estavam loucos, quem estava fora da normalidade era ele, o único que sobrava.

Resolve, então, refazer sua teoria, convencendo-se de que o desequilibrado era ele próprio. Liberta os internos no manicômio e tranca-se no hospital onde, mais tarde, vem a falecer.

Pois bem, a julgar pelo que acontece, o Brasil de Bolsonaro parece a Itaguaí de Simão Bacamarte. A cada dia acontecem as coisas mais loucas e disparatadas.

No dia em que este pequeno artigo está sendo escrito, o culto às armas, desenvolvido pelo presidente da República, causou mais uma tragédia. Um soldado da PM do Estado do Rio, João Paulo Machado da Silva, baleou na cabeça o sargento, também da PM, Jorge Xavier, depois de uma discussão banal no trânsito numa rua de São Cristóvão, Zona Norte da capital. Ambos estavam lotados no 2º Batalhão, em Botafogo, e seguramente se conheciam.

O incidente ocorre 27 anos depois de que, em 1995, um capitão do Exército perdeu para três jovens assaltantes a moto e a pistola que tinha consigo, em Vila Isabel, também no Rio. O capitão era o mesmo que, tempos depois, como deputado e presidente da República, teria como uma de suas bandeiras o armamento geral da população, para que cada um se defendesse da violência urbana. Seu nome: Jair Bolsonaro.

Pois bem, o fato é que no Brasil as aparentes insanidades vão se multiplicando, dia a dia. O próprio Bolsonaro multiplica declarações desprovidas de sentido lógico diante de cada questão.

Já defendeu a tortura e a ditadura militar, classificou a pandemia que já matou 668 mil brasileiros de “gripezinha”, combateu as vacinas em pleno século 21, pregou o fechamento do STF. Enfim a coleção de sandices é gigantesca.

Nesta semana em que criminosos protegidos por seu governo assassinaram na Amazônia um ambientalista e um jornalista inglês, num crime que comoveu o mundo, responsabilizou as vítimas.

Infelizmente, porém, qualquer paralelo da Itaguaí de Simão Bacamarte com o Brasil de Bolsonaro não vai muito longe. Os dois protagonistas são diferentes.

O alienista se deu conta de que ele estava na contramão de tudo e de todos e, por conta própria, resolveu sair de cena e se internar.

Não é o caso de Bolsonaro. Precisará ser retirado do cenário político pelo voto consciente dos brasileiros. Há, até um justificado receio de que tente virar a mesa e dar um golpe para continuar no poder, diante da possível derrota nas eleições de outubro.

Sem dúvida, Bolsonaro é mais perigoso do que Simão Bacamarte.