SOBRE URUBUS...

Crônica: Faxineiro - Por Luis Cosme Pinto

Leia a nova crônica do jornalista e escritor carioca Luis Cosme Pinto, com seu olhar bem peculiar da vida cotidiana

Créditos: Eurico Zimbres/ Wikimedia Commons
Escrito en OPINIÃO el

Uma revoada acachapante ofuscou o azul profundo do Planalto Central. São urubus que se instalaram por gabinetes, plenários, ministérios. Não pousaram agora, é verdade, porém estão mais à vontade do que nunca.  

Em vez da penugem escura, esse tipo de urubu exibe gravata de seda ou vestidos de alta costura. É urubu taludo e faminto, que se deleita no Congresso mas também aceita carniças em todo o Brasil, sem preconceito.

Te convido a deixar essa praga de lado por umas linhas para homenagear o urubu de verdade. Ele sim, capaz de semear inesquecíveis belezuras brasileiras.

Urubu Malandro, na flauta de Pixinguinha, é sucesso para mais de século, orgulho do chorinho. Braguinha e Louro botaram letra e o malandro, na voz de Ademilde Fonseca ou Ney Matogrosso, botou o Brasil pra dançar.   

Urubu também é nome de disco. Disco de Tom com Boto, Lígia, Correnteza e outras maravilhas.

Alguns anos antes do maestro, Antônio Maria, gênio da crônica, contou a história de outro urubu, o urubu atropelado na pista da Lagoa Rodrigo de Freitas, em 1962. Um urubu distraído, menos ligeiro que o carro. Maria estranhou a solidão do cadáver e escreveu: No mesmo local, já vira algumas vezes um gato morto. Em sua volta, vários urubus. Agora, um urubu morto e gato nenhum ao pé de si. Morto e abandonado, por quê?

O jornalismo também me deu chance de conhecer as virtudes dos urubus. Foi no Repórter Eco, programa com as notícias da natureza, curioso pelos mistérios da maré, da mata, dos ventos. Marcamos a entrevista com um pesquisador e logo um agourento colega na redação perguntou: com tantas aves exuberantes, coloridas, falar o quê do urubu? Logo teve a resposta.

O estudioso ajudou a entender porque não só os talentos da música e da literatura se interessavam pela ave preta de cabeça arredondada e bico comprido.

É bicho esperto. Como as garras curtas não deixam que segure suas presas, ele se alimenta apenas de animais mortos. Desconhece indigestão porque o estômago não liga para prazo de validade.

Urubu é faxineiro do meio ambiente, acrescentou o cabeludo professor de óculos grandes. Imagine o perigo se animais e pessoas ficassem se decompondo a céu aberto? Pois o urubu vê de longe, analisa a situação da carniça e aterrissa.

Vêm em bando porque onde come um comem dez. Depois de dividirem a refeição, limpam a área e partem para outros compromissos.

Urubu é tão sábio que voa sem bater asas, percebe as correntes de ar mais quentes e flutua por grandes distâncias só no embalo.

Na Grande São Paulo, cercada por lixões e áreas poluídas, as numerosas famílias crescem com fartura e bastante faxina.

Volto a Antônio Maria que observou a superioridade do urubu frente ao homem. Infeliz por não voar, prisioneira do chão, a humanidade já fez inúmeras tentativas e a única que não fracassou totalmente foi o avião. Nas palavras de Maria a ressalva: o que é um avião senão um urubu em transe de aperfeiçoamento? Sim, o avião se aperfeiçoa cada vez mais, na meta necessária do urubu. Já não faz barulho, como o urubu. Um dia não dará acidente, como o urubu.

Digo mais, ao gigante de asas duras faltam a leveza do pouso e a sobriedade do voo livre de um urubu malandro. Honestamente malandro. 

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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