HISTÓRIA

Os 40 anos da “Tragédia do Sarriá” e o futebol sem graça e bobo da atual seleção

O Brasil sofreu horrores e viu uma das equipes mais míticas de todos os tempos voltar para casa num verão espanhol. O 7 x 1 de 2014 nos mostrou a diferença entre derrota histórica e a humilhação de uma geração insossa

Créditos: Olycom/Reprodução
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Eu tinha vindo ao mundo havia 10 meses. Nas décadas seguintes, ouvia meu pai falar daquela tarde ensolarada como o maior “desastre” de toda a história do futebol brasileiro. Paolo Rossi era um nome proibido dentro de casa, uma vez que o centroavante toscano convertera-se no algoz de uma pátria e sobretudo para meu pai, um palmeirense roxo que gravara seu nome na memória até o fim da vida.

Segunda-feira, 5 de julho de 1982. Barcelona, Espanha.

Telê Santana comandava um esquadrão de boleiros que hoje chamaríamos de “raiz”, não “Nutella”. Zico, Sócrates, Serginho Chulapa, Toninho Cerezo, Falcão, Júnior e muitos outros. A amarelinha era de algodão e fazia tremer até o último fio de cabelo dos adversários. A seleção brasileira de 1982 entraria para a eternidade como um time de identificação absoluta com o povo e vista por muitos como uma equipe que rivalizava em termos míticos com o elenco monumental do Tricampeonato do México em 1970, o Olimpo de chuteiras.

Num esquema sui generis de quartas de final, que em vez de um mata-mata era disputado no formato triangular, o Brasil caiu num grupo com Itália e Argentina. Venceu o primeiro jogo contra os “hermanos” e foi para cima da Squadra Azzurra com todo seu futebol arte e absolutamente favorito.

Pois Paolo Rossi, aquele que despertava a fúria no meu pai enquanto ele esteve vivo, acabou com a ensolarada tarde mediterrânea no elegante e nobilíssimo bairro de Sarriá, fazendo com que a tristeza atravessasse o Atlântico e chegasse à América, enlutando um país continental que nos estertores de uma ditadura militar buscava seu Tetracampeonato para brindar aquele que era nosso único orgulho: o futebol.

Maldito 3x2 que marcaria o futebol, a copa, o Brasil e meu pai. Marcou a mim de certa forma, já que fui tomado por uma sanha incontrolável por ver a conquista de um mundial, o que só foi possível realizar em 1994, nos EUA, com o baixinho Romário fazendo até chover e nos trazendo o caneco depois de 24 anos. Eu vi o Penta também. Ronaldo foi um fenômeno, deixando claro que sua alcunha nunca foi hipérbole ou marketing.

Vi derrotas, das mais melancólicas, como a de 90 na Itália, com o esquecido time de Lazaroni, e a de 2010, na África do Sul, diante da Holanda, que nem como derrotas nos serviram como marco histórico ou como um dia inesquecível, ainda que negativamente. Mas eu vi também a humilhação.

Naquele trágico 7x1 diante da Alemanha, no Mineirão, eu estava no Marrocos havia dias e era visto como o sujeito do “país do futebol”. A surra me desorientou de tal maneira que não consegui mais acompanhar os jogos da seleção desde então. Neymar, símbolo dessa geração, ainda que estivesse fora de campo naquele fatídico 8 de julho de 2014, virou sinônimo de um futebol que perdeu a magia e se pasteurizou. É claro que ele joga muito, mas fica bem claro que isso, definitivamente, não é tudo.

E não estou criticando Neymar, embora o critique com frequência e o faça livre de suspeitas, uma vez que sou um ex-fanático santista que viu a Libertadores da América ser conquistada com seus pés. Só que às vésperas de mais um mundial, que ocorrerá no fim do ano, no Catar, penso em situações como a “Tragédia do Sarriá” e fico lamentando o fato de termos saído da galeria de galácticos para entramos num limbo insosso e infortunadamente sem graça, não sem antes termos sido humilhados pela ignominiosa surra germânica que quebrou a mística e nos enviou para o grupo dos comuns do esporte mais popular da Terra.