OPINIÃO

Liberalismo não é igual à Democracia - Por Emir Sader

Liberalismo econômico não tem nada a ver com democracia. Ao contrário, quanto mais liberal a economia, menos democrática a sociedade, porque a economia privatizada acentua as desigualdades.

Jair Bolsonaro e Augusto Pinochet.Créditos: Presidência da República / Governo do Chile
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Um líder empresarial brasileiro disse que, sem democracia, não há liberalismo. Afirmando, implicitamente que, como acontece quase sempre com os liberais, ele confunde liberalismo politico e liberalismo econômico. E liberalismo com democracia.

O liberalismo tem duas caras: o liberalismo econômico e o liberalismo politico. Este surgiu na instauração dos Estados nacionais, com as características que passou a ter: separação dos poderes da republica entre executivo, legislativo e judiciário; liberdade de organização social e politica; eleições periódicas; imprensa livre (em que livre quer dizer privada).

Essas características passaram a definir um Estado como democrático. Não importava que o Brasil, por exemplo, fosse o país mais desigual do continente mais desigual. Obedecendo a essas normas, era caracterizado como um Estado democrático, desde que seguisse aos parâmetros mencionados.

O liberalismo econômico é um fenômeno distinto. Se caracteriza pela centralidade do mercado, pela propriedade privada, pelo Estado mínimo. Os dois não coincidem. Pode haver liberalismo econômico sem liberalismo político. E pode haver liberalismo político sem liberalismo econômico.

Os Estados de bem estar social, como existiram na Europa durante cerca de três décadas, correspondiam a liberalismos políticos, mas tinham políticas econômicas que não podiam ser consideradas de liberalismo econômico. Tinham a presença forte do Estado para promover políticas de desenvolvimento econômico e de bem estar social.

O neoliberalismo, que é a atualização do liberalismo econômico, surgiu, como exemplo, na America Latina, com a ditadura de Pinochet.

A feroz ditadura militar no Chile foi, ao mesmo tempo, a mais extrema economia liberal. O liberalismo econômico conviveu assim, sem problemas, com uma ditadura militar.

A China, por sua vez, combina um Estado centralizador, que assume áreas estratégicas, como a infra-estrutura, a comunicação, a defesa, a ciência e a tecnologia, entre outros. Ao mesmo tempo que os setores de consumo da população são privatizados. Os shopping centers na China são similares aos ocidentais, com as mesmas marcas, o mesmo estilo de consumo. É uma combinação entre um setor estratégico estatizado da economia e um setor de consumo com economia de mercado.

Dessa forma, liberalismo econômico não tem nada a ver com democracia. Ao contrário, quanto mais liberal a economia, menos democrática a sociedade, porque a economia privatizada acentua as desigualdades. As três décadas de pleno emprego na Europa no segundo pos-guerra combinaram democracia política liberal e economias com forte presença do Estado.

Quando o empresário brasileiro afirma que, sem democracia não há liberalismo, não leva em conta que o liberalismo, economicamente, é o neoliberalismo, que convive, perfeitamente, com regimes ditatoriais, dos quais ele depende, como o exemplo citado do Chile de Pinochet.

O neoliberalismo acentua a concentração de renda, as desigualdades sociais e regionais, a exclusão social. Se choca frontalmente com a democracia. Quando há eleições em condições democráticas, os governos neoliberais tendem a perder as eleições, porque não possuem políticas sociais, que permitiriam conquistar bases sociais de apoio. 

Esses governos favorecem centralmente os interesses do capital financeiro, dos bancos privados, da especulação financeira e, por isso, tendem a ser governos minoritários, que requerem governos não democráticos, para sobreviverem.