OPINIÃO

Deus e o diabo na terra do sol - Por Josué de Souza

Na eleição deste ano, beatos e pecadores duelarão pelo poder e pela legitimidade do voto do eleitor. Sobretudo os mais pobres. Estes, que muitas vezes encontram na fé a única resposta para o suplício em que vivem.

Flavio e Carlos observam Bolsonaro ser batizado pelo pastor Everaldo no Rio Jordão.Créditos: Reprodução/Youtube
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Deus e o Diabo na terra do Sol (1964) é uma metáfora cinematográfica que por meio da ficção de Glauber Rocha apresenta elementos da realidade brasileira como a fome, a miséria, o autoritarismo, o sebastianismo e messianismo, a manipulação religiosa e a religiosidade popular. Como era característica do Cinema Novo, o filme mistura elementos e personagens reais com criações e personagens de ficção.

Porém, nosso gênio do cinema não apresenta isso de forma maniqueísta. Pelo contrário, numa linguagem dialética, pecado e virtudes se misturam compondo mosaico cultural e religioso que simboliza o espírito nacional. O filme de Glauber pode servir de epígrafe para a compreensão da eleição deste ano.

Sobretudo quando buscamos compreender as relações entre crenças religiosas e discurso político. No capitalismo periférico, rentista e que a colonização começou com uma missa. Onde os povos tradicionais foram eliminados em nome da salvação de suas almas, e os africanos escravizados, mortos e perseguidos por conta do seu credo religioso. Esperar um Estado laico e que a religiosidade fique apartada do embate político é uma epifania positivista. Lembremos que na refundação da república em nome de Deus a constituição foi proclamada.

No filme de Glauber Rocha, santos, beatos, padres, cangaceiros e matadores de aluguel, perambulam pelo sertão em busca de salvação e fortuna. Se agarram na esperança da religião, do messianismo e das armas. Lutam contra a miséria, o autoritarismo e a violência. Um verdadeiro purgatório. Na eleição deste ano, beatos e pecadores duelarão pelo poder e pela legitimidade do voto do eleitor. Sobretudo os mais pobres. Estes, que muitas vezes encontram na fé a única resposta para o suplício em que vivem. As explicações organizadas muitas vezes não lhes alcançam. A fome e o desamparo lhes impõem a necessidade de pensar estratégias de como conseguir a refeição seguinte.

Antes que o leitor me coloque na fogueira me excomungue em nome da separação da igreja e do Estado, deixo claro que também acredito e defendo isto. Mas não é uma tarefa que se resume ao pleito eleitoral. Não se faz somente a cada quatro anos. E pelo caminhar do andor, não será nesta.

Quando os entendidos defendem de forma preconceituosa que religioso é tudo igual e que votam de forma manipulada, cumprem o mesmos papel dos políticos que utilizam este público de forma instrumental. O certo apenas é que neste ano, mais uma vez, Deus e diabo se fundirão. Políticos populistas vão se misturar com beatos nada santos vendendo esperança. Vão se apresentar como enviados de Deus e acusar o outro de ser o diabo. Citando Rosa, personagem do filme de Glauber: “para que fugir, se desgraçar na esperança? Vamos embora, vamos trabalhar para ganhar a vida da gente”.