ELEIÇÕES 2022

Imóveis em dinheiro vivo + "rachadinhas": não precisa ser gênio para desnudar a corrupção no clã Bolsonaro

Boom imobiliário, com a compra de 95 dos 107 imóveis, iniciou quando Carlos Bolsonaro foi emancipado pelo pai e tirou vaga na Câmara da mãe, Rogéria. Ana Cristina Valle assumiu gabinete onde teria começado o esquema das rachadinhas.

Jair Bolsonaro e os filhos Eduardo, Jair Renan, Carlos e Flávio.Créditos: Flickr/Família Bolsonaro
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Eleito presidente em 2018 como outsider com discurso anticorrupção - apesar de ter passado quase três décadas sob a sombra do Centrão na Câmara Federal -, Jair Bolsonaro (PL) é dono de uma fortuna milionária construída desde que entrou na política como vereador no Rio de Janeiro em 1989, um ano após ser mandado para a reserva como capitão em absolvição suspeita do Superior Tribunal Militar (STM) sobre processo por arquitetura de um atentado a bomba na Adutora do Guandu.

Nascido em uma família de classe média do interior paulista, Bolsonaro - que hoje defende ferrenhamente empresários e a política neoliberal do Estado mínimo - nunca recebeu oficialmente um centavo na estrutura privada e ergueu todo seu patrimônio com dinheiro público após ascensão na política, negócio onde "empregou" os filhos desde cedo.

Reportagem de Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, no portal Uol, mostra que grande parte da fortuna do clã foi obtida por meio de negociatas com 107 imóveis, sendo que 51 deles foram pagos - parcial ou totalmente - com dinheiro vivo.

E é na relação familiar e na carreira política onde se encontram a chave para desvendar o esquema de corrupção que teria sido comandado por décadas por Bolsonaro para construir seu império. E não é preciso ser gênio para ligar uma gama informações que deveria, no mínimo, ser levada à investigação se houvesse alguma independência ainda na Polícia Federal e em órgãos de controle, como a Procuradoria-Geral da República e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Rachadinha e imóveis em dinheiro vivo

Segundo a reportagem, até 1.999 - quando apenas Jair estava na política, como deputado federal desde 1991 - o clã havia adquirido 12 imóveis.

O boom imobiliário, com a aquisição dos outros 95 imóveis pela família, ocorreu a partir da virada do século. E foi nessa época que a estrutura familiar de Jair Bolsonaro, então casado com Rogéria Nantes - mãe de Flávio, Carlos e Eduardo - ruiu após um caso de traição, em 1997, com Ana Cristina Valle, mãe de Jair Renan (conto um pouco dessa história aqui).

Em 2.000, Bolsonaro emancipou Carlos Bolsonaro, então com 16 anos, para disputar contra a mãe, Rogéria, a vaga na Câmara de vereadores do Rio. Carlos venceu. E Ana Cristina Valle foi alçada à chefia de gabinete do ainda garoto, que hoje coordena o gabinete do ódio e a estrutura de redes na tentativa de reeleição do pai à Presidência.

Segundo investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), barradas na Justiça por Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Ana Cristina teria implantado o esquema de rachadinha, com a contratação de funcionários fantasmas no gabinete de Carlos. Só depois disso, o esquema teria sido levado para a Assembleia Legislativa fluminense, no gabinete do hoje senador.

Ainda segundo o MP, ao menos 17 parentes de Ana Cristina foram nomeados para gabinetes do clã e chegavam a devolver até 90% dos salários em dinheiro ao clã Bolsonaro.  

Em áudio, Andrea Siqueira, irmã de Ana Cristina, diz que o irmão André foi exonerado a mando de Bolsonaro após se recusar a devolver 90% do salário recebido em cargo comissionado que ele ocupou tanto no gabinete de Carlos, quanto do próprio Jair.

“O André deu muito problema porque ele nunca devolveu o dinheiro certo que tinha que ser devolvido, entendeu? Tinha que devolver R$ 6.000, ele devolvia R$ 2.000, R$ 3.000. Foi um tempão assim até que o Jair pegou e falou: ‘Chega. Pode tirar ele porque ele nunca me devolve o dinheiro certo’. Não sei o que deu pra ele”, conta Andrea em um trecho do áudio.

No total, mais de 100 servidores - incluindo mãe e irmã do miliciano Adriano da Nóbrega - foram investigados pelo MP-RJ como parte do esquema de corrupção operado nos gabinetes do clã, articulado por Fabrício Queiroz.

À PF e aos órgãos de controle basta fazer as contas: quanto os funcionários fantasmas devolveram em dinheiro vivo do salário recebido nos gabinetes do clã e relacionar com os R$ 13,5 milhões - R$ 25,6 milhões em valores corrigidos - pagos em espécie por Bolsonaro e seus parentes na aquisição dos 51 imóveis.

Bolsonaro sabe bem como enriqueceu sem nunca ter trabalhado na mesma iniciativa privada que hoje defende. Sabe também os crimes que cometeu em tantos verões passados. E por isso tem tanto medo de deixar a Presidência e o foro privilegiado. É só fazer a equação para entender qual será o resultado.