CONHECIMENTO

Todo professor é socialista, mesmo que não saiba disso – Por Raphael Fagundes

É lógico que dentro do sistema capitalista, o conhecimento científico é distribuído de forma desigual

A escola não é um aparelho ideológico burguês em essência, apenas está sendo usada desta maneira.Créditos: Agência Brasil/Arquivo
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O que é socialismo? Sou adepto da ideia de que a resposta para esta pergunta não deve seguir um checklist. Se não tiver propriedade privada não é socialismo; se houver burguesia não é socialismo etc. O socialismo é uma formação histórica. A própria necessidade de classificação de uma realidade sob categorias transcendentais é um fenômeno que é estranho ao marxismo. “Nós observamos historicamente uma realidade, e a partir dela é que tiramos sínteses historicizantes”, enfatiza o professor Elias Jabbour.

De acordo com Dermeval Saviani, a escola tem como objetivo socializar o conhecimento sistematizado. História, geografia, biologia etc. possuem conteúdos que são desenvolvidos por pesquisadores que em seguida são socializados, distribuídos para os mais variados membros da sociedade.

É lógico que dentro do sistema capitalista, o conhecimento científico é distribuído de forma desigual. Marx, por exemplo, reconhece a cooperação “de crianças e adolescentes de ambos os sexos na grande obra da produção social como um progresso legítimo e salutar [da sociedade industrial], apesar de a maneira como esta tendência se realiza no reinado do capital ser perfeitamente abominável”.[1]

O fato é que há uma socialização do conhecimento, embora com o objetivo de transformar os discentes em potenciais mercadorias no mercado de trabalho. É, enfim, um conhecimento que serve mais ao capital que ao ser humano.

Por isso, a escola não é um aparelho ideológico burguês em essência, apenas está sendo usada desta maneira. Se sua função é socializar o conhecimento, o sistema, enfim, os opressores procuram controlar que tipo de conhecimento deve ser socializado para os oprimidos.

Newton Duarte entende que “o socialismo é uma possibilidade gerada objetivamente pelo trabalho realizado todos os dias pela classe operária”. O professor, como classe operária, promove a socialização do conhecimento, mesmo que não tenha consciência disso.

Duarte continua: “muitos professores que, concordando ou não com a visão de mundo socialista, dão o melhor de si para assegurar que os conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos em suas formas mais desenvolvidas sejam aprendidos por todos os indivíduos das novas gerações. Esses professores contribuem na direção da efetivação da escola como uma instituição socialista em si”.[2]

Mas Duarte complementa afirmando que é necessário, e, em seu caso, usando a pedagogia histórico-crítica, transformar a escola de instituição socialista em si para uma instituição socialista para si.

Esta luta tem como objetivo alterar o tipo de conhecimento socializado pela escola. Melhor: seria necessário reelaborar a consciência sobre os conhecimentos adquiridos. Como dizia Lenin, “não só deveis assimilá-los, mas assimilá-los com espírito crítico para não atulhar a vossa inteligência com trastes inúteis, e enriquecê-la com o conhecimento de todos os fatos sem os quais não é possível ser um homem moderno culto".[3]

Os trabalhadores têm acesso ao conhecimento científico aplicado à realidade burguesa, já que são os membros da classe dominante que definem para que o conhecimento científico serve. A revolução no conhecimento será quando os trabalhadores terem acesso ao conhecimento científico aplicado a sua própria realidade. Deste modo, eles terão a oportunidade de propor, com fundamentação científica, uma realidade alternativa, na qual a ciência atenderia aos seus interesses enquanto classe, permitindo que “os oprimidos da classe trabalhadora, do campo e da cidade, rompam com os processos de dominação e alienação impostos pela classe dominante e organizem-se em movimentos sociais, culturais, sindicatos e partidos políticos na luta para não apenas reformar mas superar o sistema capitalista".[4]

Nas circunstâncias atuais é indispensável assegurar as escolas não apenas “como esferas públicas democráticas” mas reconhecer os “professores como intelectuais transformadores".[5] Henry Giroux demonstra como seria a atuação deste tipo de professor, de fato socialista: “enquanto intelectuais, combinarão reflexão e ação no interesse de fortalecerem os estudantes com as habilidades e conhecimento necessários para abordarem as injustiças e de serem atuantes críticos comprometidos com o desenvolvimento de um mundo livre da opressão e exploração”.[6]

Um professor pode ser de direita e achar que o que está fazendo não seja socialismo. Isto talvez por conta de sua ignorância em relação aos princípios básicos do socialismo. Este professor certamente não é um intelectual, pode ser um alienado como a ampla maioria dos trabalhadores no sistema capitalista, mas pode vir a ser um intelectual transformador na medida em que adquire consciência daquilo que faz.

 

[1] Apud. GADOTTI, M. História das ideias pedagógicas. 8 ed. São Paulo: Ática, 2006, p. 130.

[2] SAVIANI, D. e DUARTE, N. Conhecimento escolar e luta de classes. Campinas: Autores Associados, 2021, p. 45.

[3] Apud. GADOTTI, M. op. Cit., p. 134.

[4] FRIGOTTO, G. Prefácio. In: SAVIANI, D. e DUARTE, N. Conhecimento escolar e luta de classes. Campinas: Autores Associados, 2021, p. Xiii.

[5] GIROUX, H. Os professores como intelectuais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997, p. 27.

[6] Id., p. 29.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.