CRISE INSTITUCIONAL

O Peru e a luta das mulheres peruanas – Por Monica Benicio

O conservadorismo, o militarismo e o neoliberalismo nunca serão amigos das mulheres, nem no Peru, nem no Brasil, nem em nenhum lugar

Mulheres peruanas estão na linha de frente em defesa da democracia.Créditos: Federico Rios Escobar
Escrito en OPINIÃO el

Nas últimas semanas o Peru, país da nossa vizinhança latino-americana, tem vivido uma série de protestos decorrentes do impeachment e da prisão do presidente Pedro Castillo. A então vice-presidenta Dina Boluarte assumiu o poder, apoiada pelo Congresso conservador e pelas elites peruanas e, desde então, o povo tem tomado as ruas pedindo novas eleições.

Até aí este poderia ser só mais um episódio de golpe, como tantos outros, vividos lamentavelmente no nosso continente. Porém, o que se viu foi uma das piores reações já executadas pelo Estado neste século. Até o momento, 52 pessoas foram mortas e mais de mil foram feridas pelas forças de segurança do governo peruano. Dina Boluarte - apelidada de “Balearte” - mostrou uma face autoritária até então desconhecida.

Mas, se por um lado, temos uma presidenta tirana, que em menos de dois meses de governo já causou dezenas de mortes, principalmente de campesinos e indígenas, por outro temos visto como as mulheres peruanas estão na linha de frente em defesa da democracia e de mais direitos sociais.

Aqui não cabe romantização. As mulheres peruanas que estão ocupando as ruas não são “heroínas”. São trabalhadoras, mulheres em sua maioria racializadas e pobres, que estão juntas de diversos outros grupos, como estudantes, acadêmicos e sindicalistas, defendendo a integridade de seu país. Um país abalado por diversas crises e pela constante troca de presidentes.

Mulheres como Gahela Cari Contreras, Majandra Acha e Veronika Mendoza, ativistas feministas e indígenas do país, além das integrantes do Grupo Manuela Ramos, que lutam pelos direitos humanos de mulheres peruanas, estão entre as mais combativas lideranças pela manutenção da democracia em seu país. Elas sempre tiveram críticas ao conservadorismo de Pedro Castillo, que sempre foi uma figura controversa. Porém, isso não as impede de entender os perigos que se apresentam agora com Boluarte.

Os movimentos de mulheres na América Latina têm sido muito astutos em analisar a conjuntura de seus países. E também têm sido corajosos em muitas vezes assumir suas limitações e possíveis contradições. Foi o que aconteceu quando se apoiou, no segundo turno das eleições peruanas, Castillo, ao invés de Keiko Fujimori. Nem toda mulher na política significa, automaticamente, avanço para outras mulheres. Muitas, inclusive, podem impactar em retrocessos para a sociedade.

Por isso é importante sempre qualificarmos o debate sobre representatividade. As mulheres, que nos últimos dias ocuparam com garra as ruas de Lima, tendo que lidar com todo o terror da violência policial, são hoje os grandes exemplos de mulheres peruanas que defendem uma política justa, humana e inclusiva. Dina Boluarte e Keiko Fujimori, por outro lado, são representações vivas de tudo aquilo que devemos evitar e enfrentar na presença de mulheres em espaços de poder.

O conservadorismo, o militarismo e o neoliberalismo nunca serão amigos das mulheres, nem no Peru, nem no Brasil, nem em nenhum lugar.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.