OPINIÃO

O moralista virtual – Por Francisco Fernandes Ladeira

O “moralista virtual” considera que os direitos humanos foram feitos para “defender vagabundo e criminoso” (“os direitos dos manos”), mas, quando colegas foram presos por tentativa de golpe, pediu “tratamento digno”.

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Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Especialista em Jornalismo pela Faculdade Iguaçu (FI). Autor de quinze livros, entre eles "A ideologia dos noticiários internacionais" (Editora CRV).
O moralista virtual – Por Francisco Fernandes Ladeira
Meme do "cidadão de bem", que viralizou nas redes. Reprodução

Antes do surgimento das redes sociais, se quiséssemos conhecer as personalidades mais obscuras, ou entender até que ponto pode chegar a incoerência humana, deveríamos fazer extensas pesquisas sobre diagnósticos relatados em obras acadêmicas de cunho psicanalítico. Já nos dias de hoje, para a mesma tarefa, basta acessarmos o Facebook, Instagram, Twitter ou WhatsApp.

Assim, numa época de crise política, e consequente radicalização ideológica, um peculiar tipo de internauta tem chamado bastante a atenção: trata-se do “moralista virtual”.

Conforme o epíteto sugere, o “moralista virtual” se considera o guardião da ética, moral, bons costumes e tudo o que se possa esperar de um “cidadão de bem”. Seu principal mantra é verbalizar contra a corrupção.

Entretanto, embora aparentemente bem-intencionado, este discurso é extremamente seletivo, pois localiza práticas consideradas ilícitas somente na esfera estatal e, sobretudo, em um partido político específico: o PT.

O “moralista virtual” adora compartilhar frases de efeito, tipo “sou contra a corrupção, todos os políticos devem ser presos, doa a quem doer, independente do partido”, mas, curiosamente, suas críticas também só são destinadas a políticos petistas.

O “moralista virtual” foi para a rua e vestiu a camisa da seleção brasileira em junho de 2013, protestou contra o governo Dilma Rousseff na Paulista, dois anos depois, soltou foguetes quando Lula foi preso e vibrou com a eleição de Bolsonaro para a presidência da República.

Mas se calou em relação a casos de corrupção ligados a legendas da direita política.

Ele também se orgulha de atrelar sua conduta exemplar a forte religiosidade cristã. Segue fielmente o mandamento que diz para amar ao próximo como a si mesmo, desde que o “próximo” não seja negro, pobre, comunista ou LGBTQIA+.

Para o “moralista virtual”, “bandido bom é bandido morto” (de preferência morador de comunidade carente), feminismo é coisa de “mulher mal comida” (a “feminazi”), reforma agrária representa “dar terra para os vagabundos do MST” e cotas raciais constituem um preconceito às avessas.

Segundo o “moralista virtual”, o mundo hoje está muito chato. Cheio de mi-mi-mi. “Não posso nem mais expressar meus preconceitos e ódios em paz”, deve pensar sistematicamente o “moralista virtual”.

Telespectador assíduo de programas policialescos, o “moralista virtual” considera que os direitos humanos foram feitos para “defender vagabundo e criminoso” (“os direitos dos manos”), mas, quando seus colegas foram presos em Brasília, por tentativa de golpe, em 8 de janeiro, ele pediu “tratamento digno”.

O “moralista virtual” demoniza o Estado e idolatra o mercado. O discurso da “meritocracia” é um de seus preferidos: “as oportunidades são iguais para todos, só não se dá bem na vida quem não quer ou não tem capacidade”.

Contudo, as ideias liberais só valem para o âmbito econômico. Liberdades políticas, como legalização das drogas, permissão do aborto ou união homoafetiva estão fora de cogitação, pois colocam em risco a tradicional família brasileira.

Por outro lado, o moralismo aqui citado só se aplica às redes sociais.  Na realidade, as coisas são bem diferentes. O “moralista virtual”, em seu cotidiano, pratica “pequenas corrupções”, “fura” a fila do banco, estaciona seu carro em local destinado a pessoas com deficiência, sonega impostos e, não raro, obtém favores ilegais de autoridades públicas.

Enfim, o “moralista virtual” é o típico exemplo de “faça o que eu digo (na internet) e não o que eu faço (na vida real)”.

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