VINICIUS SARTORATO

Acordo UE-Mercosul: a novela continua

Políticos europeus são céticos sobre a aprovação e sociedade civil de ambas regiões pede rejeição

Lula e Ursula Von der Leyen, presidenta da Comissão Europeia.Créditos: Ricardo Stuckert
Escrito en OPINIÃO el

Antecipando a onda protecionista prometida por Donald Trump – principalmente sobre produtos europeus e chineses –, foi anunciada na última semana, após 25 anos de negociações, a conclusão do Acordo de Livre-Comércio entre Mercosul e União Europeia. 

Com a presença de Ursula Von der Leyen, presidenta da Comissão Europeia, o acordo foi celebrado na 65ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul (em Montevidéu, 6 de dezembro de 2024), com a chancela dos presidentes dos países membros-plenos do bloco sul-americano.

O Acordo entre os dois blocos, que abrange 32 países ao todo, 718 milhões de pessoas e cujas economias chegam a US$22 trilhões, seguirá para revisão legal, linguística, assinaturas dos parlamentos, internalização e ratificação até sua entrada em vigor nos países-membros em meados de 2026 – segundo os analistas mais otimistas. Tais fases e fatos que preocupam os apoiadores do Acordo, já que Ursula Von der Leyen pode ter problemas para aprová-lo nas instâncias da UE (em especial no Conselho Europeu) diante de significativa divisão sobre o tema.

Para líderes do mercado financeiro e empresários, o Acordo é visto como benéfico de forma geral, havendo críticas pontuais entre o agronegócio europeu e setores industriais mercosurianos. Já para representantes da sociedade civil, ambientalistas, movimentos sociais, ONGs, sindicalistas e entidades de ambas regiões, o Acordo deve ser rejeitado, por muitas questões, dentre elas falta de transparência e efetiva participação no processo.

Dentre as questões com maior relevo entre os críticos, aparecem temas como soberania nacional, transferência de novas tecnologias, propriedade intelectual, transição energética, segurança alimentar, proteção de direitos dos consumidores e trabalhistas. 

Na nova edição do Acordo, apareceram os chamados “mecanismos de balanceamento e garantias bilaterais”, que prometem compensar os lados que possam se sentir prejudicados por disparidades estruturais ou com medidas não atendidas. Seria o caso, por exemplo, de questões relacionadas ao Acordo de Paris sobre mudanças climáticas. Isso valeria para regras de desflorestamento adotadas pela UE – que restringem importações de produtos de áreas desflorestadas ou mesmo suas taxas sobre índices de poluição de emissão de carbono CO2. 

Nesse caso, os reflexos poderiam ser sentidos na importação de carros elétricos europeus para o Mercosul, que manteria tarifas de até 30% por até 30 anos para adequação do seu sistema produtivo; passando pela produção de grãos como a soja ou minerais desejados pelos europeus, como níquel, alumínio, cobre, matérias-primas de aço, lítio, ouro, manganês, germânio ou gálio.

A distância entre o discurso e a realidade é grande. A promessa de crescimento do PIB das economias, aumento de investimentos e do fluxo de comércio, bem como a flexibilização de até 90% das tarifas intra-blocos ou redução de preços e diminuição da burocracia prometida é vista como um “tiro no pé” por várias organizações.

Segundo nota emitida pela ETUC (Confederação de Sindicatos Europeus), apesar do discurso de criação de empregos e cooperação, as preocupações sobre as “fracas proteções laborais” continuam, faltando mecanismos claros, como sanções, sobre a violação de direitos trabalhistas.  

Dada a diferença de condições estruturais e tecnológicas entre os blocos, especialistas dizem que a tendência de concorrência desleal é bastante preocupante, sendo uma das críticas do agronegócio europeu sobre as condições de trabalho, salários e abuso do uso de agrotóxicos por brasileiros e argentinos – proibidos na Europa. Este é apenas um exemplo. 

Apesar do Acordo prever o fim do desflorestamento até 2030, para muitos ambientalistas e sindicalistas do Sul trata-se de uma nova colonização que afeta duramente a natureza e as relações de trabalho, com o achatamento de salários e causando a perda de milhões de empregos para a classe trabalhadora de ambas as regiões. 

Por fim, outra questão importante colocada no Acordo é o capítulo sobre compras governamentais. Apesar do texto atual prever o poder de compra dos Estados nacionais como ferramenta de política industrial, em especial na área de saúde, agricultura familiar, micro e pequenas empresas e a prevista preservação de margens de preferências para produtos e serviços nacionais, ao que tudo indica teremos uma avalanche de privatizações de setores estratégicos feitos por empresas europeias na América do Sul caso o Acordo seja implementado.

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