OPINIÃO

Dia de quem? Primeiro do quê? – Por Normando Rodrigues

Setores sindicais trocam “universalismo” por “identitarismo”, luta de classes por conciliação e veem nas questões de segurança, saúde e meio ambiente pauta “convergente” com interesses do capital

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A primeira indagação quase sempre é respondida enfaticamente pela esquerda mundial: o dia é do “trabalhador”. Mas a quadra histórica impõe uma outra questão, preliminar: o trabalhador sabe que é trabalhador?

Militantes das gerações nascidas com chips tendem a se embasbacar ante o “pobre de direita” e os motoristas de aplicativos que rejeitam ter a jornada de trabalho limitada pela legislação, como se um e outros fossem inéditos. Ainda pior, atribuem essas inconsciências às redes sociais, mídias digitais e economia da informação.

Pior porque, tomando a “forma” pelo conteúdo, tendem a enfrentar a “embalagem” em lugar do produto, a traçar estratégias de combate ao meio que a conduz e não à ideologia conduzida. Atiram no mensageiro e deixam incólume a mensagem.

Quase um século e meio atrás, mineiros de carvão, coletores de cana, café e algodão, tecelões e muitos outros trabalhadores, eram em ampla maioria contrários à limitação legal da jornada de trabalho, tanto quanto os uberizados, pois ganhavam por tonelada de resultado do trabalho.

O raciocínio era exatamente o mesmo: “se eu trabalhar mais, vou ganhar mais”. Contudo, esse tipo de remuneração “cenoura na frente do cavalo” se mostrou inviável na indústria. E no seio do país que mais se industrializava, os EUA, os sindicatos marcaram uma greve geral para 1° de maio de 1886.

Pauta da greve? Limitar a jornada de trabalho a 8 horas! O lema da campanha era o refrão do hino do movimento, a canção “8 horas”: “8 horas de trabalho, 8 horas de repouso, 8 horas para o que nós quisermos!”

Estima-se que 300 mil trabalhadores pararam o trabalho e botaram suas vidas para andar, naquele 1° de maio, num total de mais de 5 milhões de pessoas então empregadas na manufatura. Os grevistas não eram sequer a maioria do total de associados da principal organização de trabalhadores do país.

A brutal repressão, que incluiu de fura-greves e espancadores de grevistas à execução por enforcamento dos mártires de Chicago, teve por resposta a declaração do 1° de maio como Dia do Trabalhador pela Segunda Internacional, em 1891.

O movimento sindical brasileiro passou a celebrar a data em 1910 e em setembro de 1924 Artur Bernardes decretou a consagração do dia “á confraternidade universal das classes operarias e á commemoração dos martyres do trabalho”. O fato desse texto, de um oligarca da República Velha, valorar o “universalismo” e reconhecer o protagonismo da “classe operária” e o “martírio” dos trabalhadores é um indício do grau de pressão social que o incipiente operariado de então conseguia realizar.

Hoje, em comparação, setores significativos dos movimentos de trabalhadores trocam o “universalismo” pelo “identitarismo”, a luta de classes pela conciliação com o patronato e veem a segurança, saúde e meio ambiente enquanto uma pauta “convergente” com os interesses do capital. E dessa comparação voltamos à esquecida segunda indagação: “Primeiro do que?”

Cada primeiro de maio deveria ser o primeiro dia de um novo passo da classe trabalhadora rumo à sua própria libertação da superexploração. Em direção à utopia (o ainda “não posto”) igualitarista, na qual as diferenças entre os humanos residirão em suas habilidades, preferências, inclinações e competências, e não entre quem tem fome ou não, quem tem saúde ou não, quem tem educação ou não, quem tem um Porsche, ou não.

Esse futuro depende de uma série de decisões, tomadas por cada um de nós, a cada dia, entre a hora em que acordamos e a hora em que deitamos para o repouso de 8 horas. Repouso conquistado por quem veio antes.

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