OPINIÃO

Que paz é essa que se arma para a guerra? - Por Marcelo Santos

A escolha da venezuelana María Corina Machado para o Prêmio Nobel da Paz de 2025 é, no mínimo, constrangedora.

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Marcelo Santos é jornalista, escritor e coordenador de comunicação da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito.
Que paz é essa que se arma para a guerra? - Por Marcelo Santos
Leopoldo Lopez, Maria Corina Machado e Juan Guaido em outdoor contra sanções em Caracas. Frederico Parra / AFP

A escolha da venezuelana María Corina Machado para o Prêmio Nobel da Paz de 2025 é, no mínimo, constrangedora. Isso porque, a partir da escolha do principal nome de oposição ao governo de Nicolás Maduro, os Estados Unidos, que já colocavam seus navios de guerra, drones e armamentos bélicos no Mar do Caribe, a pretexto de combater narcotraficantes, agora se assanham com a possibilidade de uma intervenção militar na região. Ainda mais agora, pacificada pela opinião pública de ter o apoio de uma Nobel da Paz.

Corina já se manifestou a favor dessa intervenção. Apoia a ideia dos canhões apontados para Caracas e dedicou o prêmio da paz a Donald Trump, que, sabemos bem, se considera o czar do mundo.

Eu estive na Venezuela exatamente um ano atrás. Passei por Caracas e fui para o interior. Vi um país, tal como o Brasil, dividido politicamente. E, assim como aqui, não vi um país deflagrado. Não vi filas nos mercados. Não vi protestos nas estradas.

Por lá, as crianças vão à escola. Os idosos conversam nas praças. Casais se beijam nas estações de metrô e boêmios tomam suas cervejas Zulia nos bares. Igrejas neopentecostais se multiplicam nas esquinas, muitas delas com presença também no Brasil. Programas evangélicos e católicos passam nas emissoras de TV durante a madrugada. Estima-se que os evangélicos já são mais de 30% da população.

Sim, há muitos problemas. A crise migratória, que se intensificou entre 2015 e 2022, gerou cicatrizes profundas no povo venezuelano. Os bloqueios econômicos e as incertezas financeiras fazem com que os bolívares no bolso sejam quase suvenires em Caracas, onde para comprar um chocolate ou uma Coca-Cola é preciso pagar com dólares.

Segundo o governo de Maduro, a economia do país cresceu 7,71% no primeiro semestre de 2025. 

Sim, há muitas suspeitas. Sim, existem críticas e questionamentos sobre o processo eleitoral, com a Organização dos Estados Americanos (OEA), os Estados Unidos, a União Europeia e o próprio Brasil ainda não reconhecendo o resultado do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE), que deu ao presidente Nicolás Maduro 51,95% dos votos, garantindo-lhe um terceiro mandato. O candidato da oposição, Edmundo González Urrutia, segundo o CNE, teria recebido 43,18%.

No final de setembro de 2025, em La Piedad, Estado Lara, Venezuela, onde estive em 2024 com outros irmãos em Cristo do Movimento Cultural Caleb, coletivo fundado pela União Evangélica Pentecostal Venezolana (UEPV), que começou com o cuidado de órfãos há mais de 50 anos e que já compôs mais de 300 canções sobre fé e resistência, aconteceu o IV Congresso Pentecostal Bolivariano Latinoamericano e Caribenho. O evento reuniu diversas igrejas evangélicas e organizações cristãs da América Latina e do Caribe. Também contou com a 68ª Assembleia Geral da UEPV e a VIII Assembleia Geral do Conselho Latinoamericano de Igrejas (CLAI), e teve como tema "Cristianismos Originários e Transformação Integral".

Durante o congresso, as igrejas participantes reafirmaram seu compromisso com a paz, a vida e a defesa dos direitos humanos, destacando a importância da unidade e da resistência contra as ameaças de nações imperialistas que afetam a região. Uma das resoluções-chave foi a afirmação do cristianismo originário pregado por “Jesus da Palestina”, como frisaram, e o aprofundamento do compromisso das igrejas com a transformação sociocultural e socioeconômica.

Os participantes condenaram as ameaças de uma invasão militar contra a Venezuela, chamando a comunidade internacional a apoiar o país latino-americano em sua luta pela soberania e pelos direitos humanos. O congresso também reafirmou o ideário bolivariano como fundamental para a união dos povos latino-americanos e caribenhos. Uma carta final foi redigida.

A defesa da democracia e a luta contra as autocracias merecem, certamente, reconhecimento do Prêmio Nobel. Porém, a escolha da laureada, que propõe a resolução dos problemas internos por meio do uso de armas e a deposição do governo por forças externas, com o apoio dos Estados Unidos — conhecidos por sua "democracia" imposta ao mundo, como evidenciado no Afeganistão, no Iraque, no golpe de 1964 no Brasil, ou, para nunca esquecermos, nas bombas lançadas sobre o Japão — não parece a mais acertada.

Com a legitimidade dada às ideias de Corina, os Estados Unidos podem transformar a América do Sul e o Caribe em um novo e sangrento palco para suas exibições bélicas.

Resta saber, como cantava uma velha banda de rock gospel: “Que paz é essa que se arma pra guerra?”

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum. 

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