Ser professor é muito mais do que “ensinar”, por Francisco Fernandes Ladeira
A visão de que o magistério é um sacerdócio e uma missão, apesar de aparentemente bem-intencionada, é um desserviço
Ao ler o título acima, muitos podem pensar se tratar de mais um daqueles textos ingênuos que concebem o professor como “herói” da educação. Nessa lógica, ser professor é um dom, um sacerdócio e uma missão.
Apesar de aparentemente bem-intencionada, essa visão é um desserviço à docência. Afinal de contas, se o professor “ama o que faz”, não precisa se preocupar com salário digno ou condições de trabalho minimamente decentes. Já basta “fazer o que gosta”!
Outros leitores podem supor que este artigo vai ressaltar que, no atual contexto, o “professor não é apenas professor”: também é uma espécie de psicólogo, tutor ou babá, entre outras funções para as quais não foi designado. Apesar de ser uma discussão importante, também não seguirei por esse viés.
Pretendo abordar aqui a complexidade que envolve o magistério, refletindo sobre os saberes e atitudes que o professor mobiliza em sua prática profissional, que vão muito além de “apenas ensinar um conteúdo”. Evidentemente, espera-se que o professor domine de forma satisfatória a matéria que leciona – Geografia, História, Filosofia, Língua Portuguesa etc.
No entanto, o professor pode até dominar o conteúdo de sua disciplina de referência, mas é preciso apresentá-lo de uma forma compreensível para seus alunos. É o que chamamos de “didática”. Para isso, é fundamental conhecer as características sociais e cognitivas do corpo discente e saber dialogar com o aluno de acordo com sua realidade.
A docência também vai muito além da sala de aula. É esperado do professor que ele tenha um bom convívio com seus pares e com a comunidade escolar em geral. Isso não significa, necessariamente, que o professor tenha que ser “amigo” de todos na escola, mas sim que deve manter o respeito no ambiente escolar.
Por falar nisso, um ambiente escolar favorável, que permita e incentive a autonomia docente, com certeza impactará de forma positiva o trabalho em sala de aula. Do mesmo modo, o contrário se aplica. Muitos docentes já desistiram da profissão por trabalharem em um cenário hostil.
Outro ponto a se destacar é a postura crítica em relação ao currículo e às políticas educacionais. O professor não é um simples aplicador de normas vindas de instâncias superiores. Ele deve ter autonomia para pensar a melhor forma de apresentar o conteúdo curricular aos alunos. Além disso, precisa refletir sobre quais interesses estão por trás das normas educacionais vigentes. Todo projeto de Estado requer um projeto de escola e, consequentemente, um tipo de currículo. No caso do Brasil pós-golpe, o Novo Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) fazem parte dos avanços do neoliberalismo sobre a educação.
Isso nos leva a pensar no sentido político da docência — não no sentido “partidário”, antes que os conservadores venham falar em doutrinação —, mas sobre a função social do professor e sua contribuição para a construção de uma realidade mais justa, ou seja, uma escola cujo objetivo não é perpetuar desigualdades.
Ainda nessa lógica, além de denunciar o desmonte neoliberal citado há pouco, é fundamental se posicionar contra medidas autoritárias (como as escolas cívico-militares) e o proselitismo religioso nas escolas (flagrante desrespeito à laicidade estatal).
Porém, é preciso não cair na armadilha da visão ingênua descrita no início do texto, conhecida como “pedagogismo”. A educação, por si só, não transforma a sociedade. São as mudanças mais amplas que levam a uma escola comprometida e engajada.
Portanto, ser professor transcende em muito o ato de “ensinar” e escapa às simplificações como o “herói missionário” ou o “multitarefas explorado”. A docência é, na verdade, uma prática complexa que exige domínio de saberes, didática, criticidade e consciência política. Este último fator torna um professor de “direita”, por exemplo, uma contradição gritante, a menos que se queira agir contra a própria classe.
Sem essa consciência, qualquer discurso sobre “valorização do professor” e as homenagens de 15 de outubro não passarão de retóricas vazias.