Eles morrem cedo. Elas chegam pontualmente à velhice, por Washington Araújo
Eles vivem 73, elas 79. Não é sorte, é método: enquanto uns fogem do consultório, outras transformam o cuidado em hábito, não em drama.
Há quem diga que a vida é um jogo de resistência, e que as mulheres, discretamente, vieram ao mundo com melhores tênis e mais fôlego. Elas atravessam as décadas como quem conhece o caminho secreto para chegar inteira ao outro lado — mesmo tropeçando em desigualdades, duplas jornadas e preconceitos que insistem em desafiar a biologia. Enquanto os homens ainda discutem onde perderam o mapa da própria saúde, elas já estão preparando o café e lembrando de tomar o remédio da pressão.
No Brasil, segundo o IBGE, as mulheres vivem, em média, quase sete anos a mais do que os homens. Não é pouca coisa. É como se cada brasileira ganhasse um pequeno bônus de tempo — 2.500 dias a mais de vida — para fazer o que quiser: cuidar, trabalhar, amar, reclamar, recomeçar.
A diferença é global, mas aqui ela tem sabor de paradoxo tropical: o mesmo país que as obriga a enfrentar maratonas diárias entre trabalho, filhos e violência doméstica é o que também as vê envelhecer mais.
A explicação mistura ciência, cultura e ironia. Os cientistas falam dos cromossomos X, do estrogênio e do sistema imunológico mais robusto. E talvez tenham razão. Mas quem vive entre brasileiros sabe que, além da genética, existe uma pedagogia da sobrevivência.
As mulheres aprendem desde cedo a cuidar de tudo e de todos — e, nesse processo, acabam cuidando também de si.
Já nós homens, coitados, tratamos o médico como se fosse o fiscal da Receita Federal: só aparecemos em caso de extrema necessidade.
Essa resistência feminina não é privilégio nem feitiço: é adaptação. São elas que lembram do protetor solar, do check-up, da máscara na pandemia, do cinto de segurança, do exame preventivo. A prudência, aqui, é quase uma herança materna. Enquanto isso, boa parte dos homens insiste em acreditar que uma tosse persistente é “coisa da friagem”, que o colesterol se cura com chimarrão e que a morte é sempre algo que acontece com os outros.
As estatísticas confirmam o enredo: morrem mais homens de causas evitáveis, de acidentes, de violência, de abuso de álcool. São vítimas de uma masculinidade que ainda confunde coragem com imprudência e bravura com descuido. A vida, para muitos deles, parece um campeonato de bravatas — e a velhice, um troféu que poucos disputam.
Mas viver mais não significa necessariamente viver melhor. As mulheres, embora mais longevas, convivem mais tempo com doenças crônicas e fragilidades físicas. O corpo sobrevive, mas o sistema social frequentemente adoece junto.
A velhice feminina, no Brasil, costuma ser acompanhada de solidão, aposentadorias minguadas e a eterna tarefa de cuidar — de filhos, netos, vizinhos, e vejam só, até do cachorro do filho do vizinho.
A diferença entre os sexos, portanto, não se mede apenas em anos, mas em como se vive esses anos. A mulher se cerca de laços, amizades, conversas, rituais simples que a mantêm dentro da vida. O homem, muitas vezes, se isola — e o isolamento é uma forma elegante de morrer mais cedo. Talvez a ciência devesse incluir o churrasco com os amigos e o grupo do zap entre os fatores de risco.
No fundo, essa vantagem feminina é uma espécie de vingança silenciosa da natureza: durante séculos, a humanidade confiou às mulheres a tarefa de parir, alimentar e amparar. Agora, é como se a vida, generosa e espirituosa, dissesse: “por tanto serviço prestado, fiquem mais um pouco”.
Não é uma disputa de quem chega mais longe, mas de quem aproveita melhor o percurso.
A diferença entre homens e mulheres diante da vida não é apenas biológica — é um modo distinto de escutar o tempo. Eles tratam o corpo como máquina; elas, como abrigo. Mas o corpo não aceita ordens, apenas sinais. Quem o ouve, dura; quem o desafia, some antes da fotografia. A verdadeira revolução da longevidade não virá da ciência, mas da coragem de substituir descuido por atenção e orgulho por lucidez. Viver mais, penso, é o ato mais silenciosamente subversivo que ainda nos resta praticar.