Trump, Bannon, Olavo e a estratégia do absurdo e do grotesco - Por Gustavo Tapioca
Trump não enlouqueceu. Entendeu que, na sociedade do espetáculo, a loucura é um ativo político. E o mais preocupante é que o mundo o imita
De vídeos em que joga esterco em manifestantes a discursos messiânicos, Donald Trump transforma a política em um teatro da brutalidade. Seria loucura ou método? O que explica a complacência de uma elite que aplaude o retorno do grotesco ao centro do poder mundial? Como a a estratégia trumpista chegou ao Brasil?
Não é coincidência que Donald Trump, ao divulgar um vídeo em que surge coroado e despeja fezes sobre manifestantes, siga à risca os ensinamentos de dois mentores da extrema direita contemporânea: Steve Bannon, seu estrategista nos Estados Unidos, e Olavo de Carvalho, o discípulo brasileiro que moldou a retórica do bolsonarismo. Ambos pregaram a mesma doutrina. Para conquistar o poder, é preciso poluir o espaço público — transformar o debate racional em lama emocional, substituir o argumento pela provocação, e o pensamento pela repulsa.
A tempestade de fezes de Trump é a metáfora perfeita de uma estratégia política global: a política do esgoto.
O rei do escárnio
O artigo de Flavia Perina, publicado em La Stampa na segunda-feira, 20, descreve o novo vídeo de Trump — coroado, pilotando um caça e lançando excrementos sobre manifestantes do movimento “No King”. A cena, de mau gosto, seria apenas uma piada grotesca, não viesse de quem ocupa o cargo mais poderoso do planeta. Ali, o que parece delírio é antes um ato político simbólico e a consagração do poder como espetáculo e humilhação.
Trump não é o primeiro a usar imagens de si mesmo como “rei” ou “messias”. O fascismo italiano, o nazismo alemão e outras ditaduras militares ou civis ao redor do mundo, incluindo, é claro, as latino-americanas, transformaram líderes em ídolos e mitos, e a política em teatro de adoração. A diferença é que, no caso americano, o grotesco foi normalizado pela cultura do entretenimento — a mesma que o elegeu.
Loucura ou método?
A dúvida que atormenta analistas é antiga. Trump é um desequilibrado ou um estrategista genial? A resposta talvez seja ambos. Seu comportamento parece errático, mas opera dentro de uma lógica calculada — a lógica do espetáculo. Cada gesto é uma encenação de poder e ressentimento dirigida a um público que não busca coerência, mas catarse. O insulto, o escárnio e o exagero são parte de um método populista de mobilização emocional.
Pesquisadores como Jason Stanley, autor de How Fascism Works (“Como funciona o fascismo”), observam que regimes autoritários modernos se constroem não sobre doutrinas consistentes, mas sobre emoções violentas: o medo, a raiva, o sentimento de humilhação. Trump compreendeu isso como nenhum outro político americano recente. Seu “absurdo” é, na verdade, estratégia de fascinação.
O império da idiotia
O que torna o fenômeno inquietante não é apenas o comportamento de Trump, mas a complacência das elites políticas e midiáticas dos EUA. O país que se apresenta como guardião da razão democrática se habitua ao delírio. Universidades debatem, editoriais ironizam, tribunais o processam — mas Trump continua a ditar o ritmo da agenda pública. O grotesco virou rotina; o inaceitável, mero entretenimento.
A filósofa Hannah Arendt chamou isso de “banalidade do mal”: quando a violência e o absurdo se tornam parte da normalidade. O mesmo se aplica hoje à “banalidade do ridículo”. Cada nova excentricidade de Trump é recebida com memes e risadas, mas cada riso amplia sua aura de impunidade. O riso desarma o juízo moral.
O método Trump
Há um padrão em todos esses gestos:
1. Provocar indignação — gerar reações furiosas da mídia e da oposição.
2. Consolidar lealdade — reforçar entre seus seguidores a sensação de “perseguição” e “autenticidade”.
3. Saturar o espaço público — transformar o noticiário em um espelho permanente de sua figura.
4. Dominar a narrativa — ocupar o centro simbólico da política.
É um manual de marketing político baseado no escândalo como combustível. Ao contrário do que muitos pensam, não se trata de impulsividade, mas de um método de controle do caos, inspirado em técnicas de reality show, de publicidade e de guerra cultural digital.
O império da desinformação do “rei do esterco”
Em 2018, Steve Bannon — estrategista-chefe da campanha que levou Donald Trump à Casa Branca em 2016 — resumiu seu método numa frase brutal:
“The Democrats don’t matter. The real opposition is the media. And the way to deal with them is to flood the zone with shit”.
Em tradução livre:
“Os democratas não são o problema. O verdadeiro inimigo é a mídia. E a forma de vencê-la é inundar o espaço público com fezes” — confundir tudo, até que ninguém saiba o que é verdade.
Resumindo, o primeiro mandamento de Bannon é produzir o máximo volume de ruído, mentiras, memes, distrações e ataques pessoais até fazer com que a verdade se torne irrelevante. A meta não é convencer, mas afogar a razão. A desinformação deixa de ser um acidente do discurso político e se torna a própria forma de governar.
Bannon, formado em Wall Street e Hollywood, transmitiu a seus clientes que o poder no século XXI não se conquista apenas com tanques ou votos — mas com informações mentirosas, notícias enganosas, imagens de IA com conteúdo falso de "fontes" verdadeiras. Ao “inundar o espaço público” com as famosas fake news, eles deslocam o debate do campo da razão para o da emoção.
Trump é o herdeiro e o ator principal dessa estética. Seus vídeos recentes — coroado, pilotando um caça, jogando esterco sobre manifestantes — são a encenação literal da doutrina de Bannon. Ele não apenas “inunda a zona” com palavras. Ele a cobre de fezes, transforma o espaço simbólico da política em um terreno pestilento onde nada floresce além da repulsa.
De Steve Bannon a Olavo de Carvalho
A amizade entre Steve Bannon e Olavo de Carvalho foi mais do que uma afinidade ideológica. Foi uma aliança estratégica. Bannon, arquiteto da guerra informacional nos Estados Unidos, e Olavo, o autoproclamado “filósofo” da extrema direita brasileira, partilhavam a mesma doutrina. Para conquistar o poder, é preciso destruir o campo da razão.
Enquanto Bannon pregava o “flood the zone with shit”, Olavo ensinou a seus discípulos — entre eles Jair Bolsonaro, seus ministros e militantes da organização criminosa que tentou dar um golpe em 2023 — a tratar o debate público como guerra santa, em que a ofensa vale mais que o argumento.
Nos dois casos, o objetivo era idêntico. Produzir caos cognitivo, dissolver o consenso racional e ocupar o espaço com ressentimento. De sua casa na Virgínia, Olavo transmitia lições que misturavam teologia, anticomunismo e teoria da conspiração, criando uma estética de misticismo raivoso.
No governo Bolsonaro, o “olavismo” foi institucionalizado. Ministérios, escolas e diplomatas passaram a repetir o vocabulário do caos — “marxismo cultural”, “globalismo”, “ditadura gayzista”. Era a versão brasileira do “flood the zone with shit”: inundar o debate com lixo ideológico até que toda crítica parecesse parte de uma conspiração.
A conivência do império
Por que as “cabeças pensantes” dos Estados Unidos permitem isso? Porque o trumpismo é rentável. Gera audiência, lucros publicitários, cliques, doações, vendas de bens de consumo e, sobretudo, armas. A economia do ódio movimenta bilhões de dólares e, em última instância, reforça a própria estrutura de poder que diz contestar. Wall Street, a indústria armamentista e o complexo digital não têm interesse em silenciar Trump — apenas em domesticá-lo. E o fazem à moda romana: divertem-se com o gladiador, enquanto o Coliseu lota.
O laboratório do absurdo
O “rei do esterco” — como bem definiu Flavia Perina em seu artigo no La Stampa — é a síntese de uma era em que a política virou meme e o delírio virou método. Trump não enlouqueceu. Entendeu que, na sociedade do espetáculo, a loucura é um ativo político. E o mais preocupante é que o mundo o imita.
Da Argentina de Milei ao Brasil dos quatro anos de Bolsonaro, da Hungria de Orbán à Áustria de Kickl, da Itália de Meloni a Israel de Netanyahu, da Holanda de Geert Wilders aos Estados Unidos de Donald Trump, cresce a legião de líderes que aprenderam a lição de que o absurdo dá voto, o ódio dá audiência e o ridículo, poder.
Em comum, todos transformaram o algoritmo em palanque, a desinformação em estratégia e a mentira em método de governo.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.