Crucifica! Cláudio Castro executa Jesus no Rio de Janeiro – por Pastor Zé Barbosa Jr
Sob o pretexto da “guerra às drogas”, o governador transforma o Rio em Calvário moderno, onde cada jovem negro morto nas favelas é mais uma vez o Cristo crucificado que o Estado insiste em matar
Há uma tragédia moral e espiritual em curso no Rio de Janeiro, conduzida pelo governador Cláudio Castro sob o pretexto de uma suposta “guerra ao crime”. A cada operação policial transformada em espetáculo de sangue, a cada jovem negro abatido nas favelas, uma nova cruz é erguida. E nela, mais uma vez, o corpo de Cristo é pregado.
A afirmação pode parecer forte, mas é exatamente o que o Evangelho ensina. Em Mateus 25, Jesus não faz distinção moral entre os presos. Ele não pergunta o motivo da prisão. Ele simplesmente diz: “Estive preso, e fostes me visitar.” Essa frase é o coração do cristianismo. Jesus se identifica com o encarcerado, o marginalizado, o rejeitado. Logo, cada homem abatido nas vielas da Penha, do Alemão, do Jacarezinho, da Maré, é o próprio Cristo sendo morto de novo — agora pelas balas de um Estado que se diz cristão, mas age como império.
Cláudio Castro, que gosta de posar como “governador cristão”, parece ter esquecido o que isso significa. Ao transformar a segurança pública em política de extermínio, ele não apenas trai os princípios do Evangelho — ele os insulta. O discurso de “combate ao tráfico” e de “tolerância zero” soa piedoso, mas é, na verdade, a máscara de uma necropolítica que decide quem tem direito de viver e quem pode morrer. O helicóptero não sobrevoa Ipanema, o caveirão não invade as ruas do Leblon. No Rio de Janeiro, quem morre tem cor, endereço e história: é preto, pobre e favelado.
As operações que deixam dezenas de corpos pelo chão não são “acidentes” nem “efeitos colaterais”. São parte de um projeto de poder que se alimenta do medo e da indiferença. O governador sabe o que faz. Em tempos eleitorais, cada incursão sangrenta é um aceno aos eleitores mais reacionários, que aplaudem a morte como se fosse justiça. Há cálculo político em cada corpo que cai. A barbárie virou palanque.
Mas se Jesus voltasse hoje ao Rio, não viria de terno e gravata nem discursaria em palácios. Estaria nas vielas, com os meninos mortos, com as mães enlutadas, com os que a polícia chama de “suspeitos”. E, se a história se repetisse, o mesmo Estado que o executou há dois mil anos voltaria a matá-lo, agora com farda, helicóptero e fuzil.
No Evangelho, Jesus é condenado como bandido. O Império Romano o executa como ameaça à ordem pública. Pilatos lava as mãos. O povo, manipulado, pede sua morte. Não é muito diferente do que vemos hoje. Cláudio Castro, como um novo imperador Cláudio, usa o aparato do Estado para manter o medo, controlar os corpos e exterminar os indesejados. E, tal como o Cláudio da Roma antiga que perseguiu judeus e cristãos, este Cláudio brasileiro persegue, com a mesma frieza, os que ousam existir fora da lógica do poder.
E é justamente aí que o Evangelho se impõe como denúncia. Jesus não escolhe os “bons presos”. Ele não diz: “Estive preso injustamente e fostes me visitar.” Ele diz apenas: “Estive preso.” Isso significa que, para o cristão, o chamado à compaixão e à dignidade humana não depende do mérito moral do outro. Quem visita o preso, quem chora a morte do marginalizado, está visitando e chorando com o próprio Deus. E quem mata, celebra ou se omite, está participando da crucificação.
Assim, quando Cláudio Castro ordena operações que transformam becos em cemitérios, ele não está apenas matando jovens. Está matando o Cristo que habita neles. A cada disparo, o Evangelho é rasgado. A cada corpo tombado, a Paixão se repete. A cruz não está mais no Calvário: está no alto da Penha. E quem se cala diante disso, quem aplaude em nome da “ordem”, é como Pilatos, lavando as mãos enquanto o sangue escorre.
O mais perverso é que tudo isso acontece sob o silêncio cúmplice de parte das igrejas. Muitos líderes religiosos preferem não ver que o Cristo que pregam no púlpito está sendo executado na favela. Falam de salvação, mas ignoram a condenação coletiva de um povo inteiro. Pregam moral, mas se calam diante do genocídio. E, com isso, ajudam a crucificar Jesus mais uma vez.
O cristianismo que nasce do Calvário é incompatível com a política da bala. O Evangelho é a antítese da lógica do “bandido bom é bandido morto”. O Cristo que perdoa ladrões na cruz jamais aplaudiria o extermínio de suspeitos. Quando o governador se orgulha de sua “mão firme” e posa ao lado de policiais que voltam de operações com dezenas de mortos, ele não está honrando a fé, está zombando dela.
Enquanto o povo aplaude, o governador se orgulha e a imprensa contabiliza os mortos, Jesus continua sendo crucificado todos os dias — nos becos, nos morros, nas vielas do Rio. E o Evangelho segue ecoando, ferido e verdadeiro, agora reescrito pelas mãos brancas e fortes de um estado genocida:
“Estive preso, e não fostes me visitar; estive morto, e te regozijaste com minha morte.”
* Este artigo não representa, necessariamente, a opinião da Revista Fórum