Necropolítica: o elo entre Gaza e as favelas brasileiras - Por Francisco Fernandes Ladeira
Enquanto as forças de repressão israelenses matam outro povo, as polícias militares brasileiras têm como principal inimigo a própria população
Os massacres na Faixa de Gaza e nas favelas brasileiras, apesar de espacialmente distantes, apresentam pontos em comum. Ambos fazem parte daquilo que o pensador camaronês Achille Mbembe denomina “necropolítica” – quando o poder político decide quem deve viver e, especialmente, quem deve morrer. Ou seja, os extermínios de pretos, pobres e palestinos não são meros “efeitos colaterais” de operações militares em contextos turbulentos; são ações planejadas. O próprio modus operandi das polícias militares brasileiras tem muito a ver com as técnicas utilizadas pelo exército sionista.
Até os discursos para justificar os massacres são semelhantes. Em Gaza, todos os habitantes são terroristas (ou potenciais). Logo, podem (e devem) ser eliminados. Troque a palavra “terrorista” por “bandido” e temos as narrativas que legitimam as matanças de pobres e pretos nas periferias. Como diz o jargão neofascista: bandido bom é bandido morto.
Além disso, caso o projeto conservador de classificar determinadas facções como “terroristas" seja colocado em prática, os moradores de favelas, além de “bandidos”, também passarão a ser chamados de “terroristas”. Tudo isso sem falar que essa proposta abre espaço para intervenções de Washington por aqui, sob a alegação de “combate ao terrorismo”.
Mas a necropolítica não seria tão bem-sucedida sem o apoio dos veículos de imprensa e de parcela considerável da sociedade civil. Na mídia sionista, o genocídio em Gaza é “defesa de Israel”. Na imprensa hegemônica brasileira, massacre em favela é “megaoperação”.
Na (doente) sociedade israelense, a maioria da população aplaude o genocídio em Gaza. No Brasil, não é diferente. Basta ler os comentários e as comemorações nas redes sociais sobre as notícias que relatam mortes de moradores de favelas.
Porém, há um ponto divergente entre Gaza e as favelas. Enquanto as forças de repressão israelenses matam outro povo, as polícias militares brasileiras têm como principal inimigo a própria população.
Portanto, ao refletir sobre a perversidade da sociedade israelense, podemos concluir que, em terras brasileiras, a realidade é similar. Basta um acontecimento como a “megaoperação contra o tráfico” para que o fascismo de boa parte da população aflore. Se, na Palestina, há oito décadas de limpeza étnica, no Brasil foram três séculos de escravidão que ainda norteiam nossa sociedade. Não por acaso, a extrema direita bolsonarista se identifica tanto com Israel. E não apenas por questões religiosas.