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O que os políticos bolsonaristas já fizeram pela segurança pública?

Chacina no Rio escancara a falência de um modelo que só produz mortes, impunidade e discurso eleitoral

Escrito en Opinião el
Jornalista que atua em Brasília desde 1995, tem experiência em redação, em comunicação corporativa e comunicação pública, em assessoria de imprensa, em produção de conteúdo, campanha política e em coordenação de equipes. Atuou, entre outros locais, no Governo Federal, na Presidência da República e no Ministério da Justiça; no Governo do Distrito Federal, na Secretaria de Comunicação e na Secretaria de Segurança Pública; e no Congresso Nacional, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados e na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO).
O que os políticos bolsonaristas já fizeram pela segurança pública?
O que os políticos bolsonaristas já fizeram pela segurança pública?. Agência Brasil (Tomaz Silva)

O centro do debate político nacional está sendo pautado pela chacina promovida pelo governador bolsonarista do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL). Sob o pretexto de “combater os narcotraficantes”, o governo fluminense transformou uma operação policial em um espetáculo de extermínio.

A pauta da “segurança pública” voltou com força à boca e à ponta dos dedos da extrema direita. Para esse grupo, a morte de mais de uma centena de brasileiros é motivo de comemoração. O caixão dos mortos virou palanque político.

O Brasil não tem pena de morte, mas a Operação Contenção mostrou que, para muitos, ela já é aplicada de forma oficiosa. Há relatos de execuções sumárias, invasões de casas e até uma decapitação — crimes que não chocam quem vê nas comunidades pobres apenas um alvo, não um cidadão.

Direita e extrema direita: ruins de serviço

O senso comum repete um mantra: a pauta da segurança pública seria “de direita”. A realidade mostra o contrário. Podem até discursar e alardear que o jeito é matar, mas não funciona.

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Na última década, o Rio de Janeiro esteve sob comando contínuo de governos de direita e extrema direita — e os resultados estão à vista. Entre 2015 e 2018, o estado foi governado por Luiz Fernando Pezão (MDB); depois, por Wilson Witzel (PSC), entre 2019 e 2021; e, desde então, por Cláudio Castro (PL), os dois últimos aliados diretos do bolsonarismo.

Durante esse período, a violência policial se manteve alta, o poder das milícias se expandiu e a crise institucional da segurança se agravou. É o reflexo de um modelo baseado na repressão, não na inteligência.

No Congresso Nacional, o quadro se repete. A bancada fluminense é dominada por políticos de direita e extrema direita. No Senado, todos os representantes — Flávio Bolsonaro, Carlos Portinho e Romário — são do PL e seguem alinhados ao discurso bolsonarista de “tiro, porrada e bomba”.

Na Câmara, dos 46 parlamentares eleitos pelo Rio, 11 são do PL, incluindo o líder da legenda, Sóstenes Cavalcante, que comanda um bloco voltado ao punitivismo e à defesa irrestrita das forças policiais, sem propor soluções estruturais para o colapso da segurança pública.

Povo que se lixe, o importante é a anistia

Os mesmos parlamentares bolsonaristas que tentam sequestrar a agenda nacional em nome da anistia ampla, geral e irrestrita aos golpistas de 8 de janeiro de 2023 — liderados por Jair Bolsonaro, hoje inelegível e condenado —, negam às vítimas das favelas o mesmo direito que exigem para os seus.

Enquanto os cúmplices do golpe desfrutaram de ampla defesa e devido processo legal, os moradores pobres e pretos das periferias são julgados sumariamente — sem advogado, sem tribunal, sem direito à vida. Para a bancada da bala e do golpe, justiça é privilégio de classe: quem nasce nas favelas não tem julgamento — tem cemitério.

Sindicato de políticos

A agenda legislativa da extrema direita pouco se interessa pela população — seu foco é o autorresguardo político. Dois exemplos recentes deixam isso claro: a PEC da Blindagem, que buscava dificultar punições a parlamentares, e a proteção corporativa a Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Carla Zambelli (PL-SP).

Eduardo, que deixou o país para conspirar contra o Brasil e defender o pai condenado por crimes contra a democracia, continua exercendo o mandato e recebendo recursos públicos.

Zambelli, presa na Itália e aguardando extradição, é acusada de invadir o sistema do CNJ para fabricar um falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes.

Mesmo assim, ambos seguem impunes e protegidos por seus pares — símbolos de uma bancada mais empenhada em se blindar do que em legislar.

"Bandido bom é bandido morto"

Enquanto os corpos do massacre ordenado por Cláudio Castro ainda estão sendo contados e identificados, a bancada bolsonarista correu às redes para transformar a tragédia em discurso político. Mas afinal: o que esses políticos já fizeram pela segurança pública além de espalhar medo e pedir mais armas?

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente condenado, preside a Comissão de Segurança Pública do Senado, criada sob sua influência direta. Transformou o colegiado em vitrine da retórica do “bandido bom é bandido morto” — uma lógica que, curiosamente, não vale para os aliados golpistas de sua própria família.

Sob seu comando, o colegiado aprovou este mês o PL 4.809/2024, um pacote de endurecimento penal que altera o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Drogas para “fazer criminosos perigosos ficarem mais tempo presos”. É a síntese do discurso bolsonarista: repressão máxima, pouca inteligência e nenhuma prevenção.

A vitrine legislativa do “01” prioriza prisões mais longas e mais armas, mas ignora integração de dados, governança do sistema e políticas sociais de prevenção.

Muito chilique, pouca produção

Na Câmara, o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), segue a mesma linha. Suas ações se limitam a manobras regimentais, discursos e ataques ao governo federal, sem propostas concretas para melhorar a segurança pública.

Nos registros legislativos, há apenas requerimentos processuais, como um sobre tramitação de medidas provisórias — nada que altere a realidade das ruas.

Em conjunto, a bancada fluminense do PL — tanto no Senado quanto na Câmara — atua com foco no punitivismo e no marketing político. A agenda privilegia armas, repressão e retórica, ignorando inteligência policial, integração federativa e prevenção comunitária. O importante para eles é lacrar nas redes sociais.

CACs e o elo com o crime organizado

Se há algo em que o bolsonarismo foi eficiente, foi em armar a população civil. Durante o governo Bolsonaro, o número de CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) explodiu: de 17 mil em 2018 para 361 mil em 2022 — 81,7% de todos os registros ativos desde 2001.

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A política armamentista, baseada em decretos que flexibilizaram o acesso a armas de uso restrito, criou uma brecha legal para o crime organizado. Segundo o Instituto Sou da Paz, o número de CACs ligados a facções dobrou entre 2018 e 2023, transformando o registro civil de armas em rota de desvio para milícias e facções criminosas.

No Rio, armas de calibre 9 mm — antes restritas — passaram de 19% para 28% das apreensões em cinco anos. E, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número total de armas registradas no país cresceu 227% entre 2017 e 2023.

O resultado: um sistema criado para o esporte e o colecionismo acabou armando o crime. A retórica da “arma para o cidadão de bem” se revelou, na prática, um atalho para o bandido armado — e um dos legados mais perigosos do bolsonarismo.

A “guerra às drogas” como palanque geopolítico

“O que estamos vendo é uma operação de Estado contra narcoterroristas”, afirmou Cláudio Castro — reproduzindo a retórica de Donald Trump em sua cruzada contra o narcotráfico na América Latina, agora abraçada por toda a claque bolsonarista.

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Até o The New York Times noticiou o absurdo. A escolha do termo não é acidental: ela faz parte da estratégia da extrema direita de transformar a violência policial em bandeira ideológica e enquadrar o Brasil na lógica da “guerra ao inimigo interno” — uma retórica que confunde segurança pública com militarização.

Assim como Trump usou a Venezuela como símbolo de caos e ameaça regional, o bolsonarismo tenta projetar o Brasil como o novo epicentro dessa narrativa, apresentando o país como refém de “terroristas” e justificando a repressão interna em nome da “segurança nacional”.

Poucos dias antes do massacre no Rio, o senador Flávio Bolsonaro elogiou as operações militares dos Estados Unidos e chegou a sugerir que Washington poderia “ajudar o Brasil a combater organizações terroristas”.

Nas últimas semanas, ele e outros aliados voltaram a defender que facções como o PCC e o Comando Vermelho sejam classificadas como organizações terroristas — uma equiparação sem base jurídica internacional. Enquanto o crime organizado busca lucro e controle territorial por meio de atividades ilícitas, o terrorismo tem motivação política ou ideológica e visa intimidar governos e populações.

Confundir os dois conceitos é uma manobra política: serve para justificar mais repressão, criminalizar a pobreza e concentrar poder nas forças de segurança.

Ao importar a retórica da “guerra às drogas” de Washington, o bolsonarismo repete a estratégia fracassada que devastou a América Latina: mais mortes, mais militarização, menos segurança. O objetivo não é proteger vidas — é manter viva a narrativa do inimigo interno, o mesmo expediente usado por regimes autoritários para legitimar a violência e o controle político.

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