O que os políticos bolsonaristas já fizeram pela segurança pública?
Chacina no Rio escancara a falência de um modelo que só produz mortes, impunidade e discurso eleitoral
O centro do debate político nacional está sendo pautado pela chacina promovida pelo governador bolsonarista do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL). Sob o pretexto de “combater os narcotraficantes”, o governo fluminense transformou uma operação policial em um espetáculo de extermínio.
A pauta da “segurança pública” voltou com força à boca e à ponta dos dedos da extrema direita. Para esse grupo, a morte de mais de uma centena de brasileiros é motivo de comemoração. O caixão dos mortos virou palanque político.
O Brasil não tem pena de morte, mas a Operação Contenção mostrou que, para muitos, ela já é aplicada de forma oficiosa. Há relatos de execuções sumárias, invasões de casas e até uma decapitação — crimes que não chocam quem vê nas comunidades pobres apenas um alvo, não um cidadão.
Direita e extrema direita: ruins de serviço
O senso comum repete um mantra: a pauta da segurança pública seria “de direita”. A realidade mostra o contrário. Podem até discursar e alardear que o jeito é matar, mas não funciona.
LEIA TAMBÉM: Do PSDB ao PL, o Rio de Janeiro é governado há mais de 25 anos pela direita e extrema direita
Na última década, o Rio de Janeiro esteve sob comando contínuo de governos de direita e extrema direita — e os resultados estão à vista. Entre 2015 e 2018, o estado foi governado por Luiz Fernando Pezão (MDB); depois, por Wilson Witzel (PSC), entre 2019 e 2021; e, desde então, por Cláudio Castro (PL), os dois últimos aliados diretos do bolsonarismo.
Durante esse período, a violência policial se manteve alta, o poder das milícias se expandiu e a crise institucional da segurança se agravou. É o reflexo de um modelo baseado na repressão, não na inteligência.
No Congresso Nacional, o quadro se repete. A bancada fluminense é dominada por políticos de direita e extrema direita. No Senado, todos os representantes — Flávio Bolsonaro, Carlos Portinho e Romário — são do PL e seguem alinhados ao discurso bolsonarista de “tiro, porrada e bomba”.
Na Câmara, dos 46 parlamentares eleitos pelo Rio, 11 são do PL, incluindo o líder da legenda, Sóstenes Cavalcante, que comanda um bloco voltado ao punitivismo e à defesa irrestrita das forças policiais, sem propor soluções estruturais para o colapso da segurança pública.
Povo que se lixe, o importante é a anistia
Os mesmos parlamentares bolsonaristas que tentam sequestrar a agenda nacional em nome da anistia ampla, geral e irrestrita aos golpistas de 8 de janeiro de 2023 — liderados por Jair Bolsonaro, hoje inelegível e condenado —, negam às vítimas das favelas o mesmo direito que exigem para os seus.
Enquanto os cúmplices do golpe desfrutaram de ampla defesa e devido processo legal, os moradores pobres e pretos das periferias são julgados sumariamente — sem advogado, sem tribunal, sem direito à vida. Para a bancada da bala e do golpe, justiça é privilégio de classe: quem nasce nas favelas não tem julgamento — tem cemitério.
Sindicato de políticos
A agenda legislativa da extrema direita pouco se interessa pela população — seu foco é o autorresguardo político. Dois exemplos recentes deixam isso claro: a PEC da Blindagem, que buscava dificultar punições a parlamentares, e a proteção corporativa a Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Carla Zambelli (PL-SP).
Eduardo, que deixou o país para conspirar contra o Brasil e defender o pai condenado por crimes contra a democracia, continua exercendo o mandato e recebendo recursos públicos.
Zambelli, presa na Itália e aguardando extradição, é acusada de invadir o sistema do CNJ para fabricar um falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes.
Mesmo assim, ambos seguem impunes e protegidos por seus pares — símbolos de uma bancada mais empenhada em se blindar do que em legislar.
"Bandido bom é bandido morto"
Enquanto os corpos do massacre ordenado por Cláudio Castro ainda estão sendo contados e identificados, a bancada bolsonarista correu às redes para transformar a tragédia em discurso político. Mas afinal: o que esses políticos já fizeram pela segurança pública além de espalhar medo e pedir mais armas?
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente condenado, preside a Comissão de Segurança Pública do Senado, criada sob sua influência direta. Transformou o colegiado em vitrine da retórica do “bandido bom é bandido morto” — uma lógica que, curiosamente, não vale para os aliados golpistas de sua própria família.
Sob seu comando, o colegiado aprovou este mês o PL 4.809/2024, um pacote de endurecimento penal que altera o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Drogas para “fazer criminosos perigosos ficarem mais tempo presos”. É a síntese do discurso bolsonarista: repressão máxima, pouca inteligência e nenhuma prevenção.
A vitrine legislativa do “01” prioriza prisões mais longas e mais armas, mas ignora integração de dados, governança do sistema e políticas sociais de prevenção.
Muito chilique, pouca produção
Na Câmara, o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), segue a mesma linha. Suas ações se limitam a manobras regimentais, discursos e ataques ao governo federal, sem propostas concretas para melhorar a segurança pública.
Nos registros legislativos, há apenas requerimentos processuais, como um sobre tramitação de medidas provisórias — nada que altere a realidade das ruas.
Em conjunto, a bancada fluminense do PL — tanto no Senado quanto na Câmara — atua com foco no punitivismo e no marketing político. A agenda privilegia armas, repressão e retórica, ignorando inteligência policial, integração federativa e prevenção comunitária. O importante para eles é lacrar nas redes sociais.
CACs e o elo com o crime organizado
Se há algo em que o bolsonarismo foi eficiente, foi em armar a população civil. Durante o governo Bolsonaro, o número de CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) explodiu: de 17 mil em 2018 para 361 mil em 2022 — 81,7% de todos os registros ativos desde 2001.
LEIA TAMBÉM: CAC recebeu mais de R$ 1,6 milhão para fornecer armas ao Comando Vermelho
A política armamentista, baseada em decretos que flexibilizaram o acesso a armas de uso restrito, criou uma brecha legal para o crime organizado. Segundo o Instituto Sou da Paz, o número de CACs ligados a facções dobrou entre 2018 e 2023, transformando o registro civil de armas em rota de desvio para milícias e facções criminosas.
No Rio, armas de calibre 9 mm — antes restritas — passaram de 19% para 28% das apreensões em cinco anos. E, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número total de armas registradas no país cresceu 227% entre 2017 e 2023.
O resultado: um sistema criado para o esporte e o colecionismo acabou armando o crime. A retórica da “arma para o cidadão de bem” se revelou, na prática, um atalho para o bandido armado — e um dos legados mais perigosos do bolsonarismo.
A “guerra às drogas” como palanque geopolítico
“O que estamos vendo é uma operação de Estado contra narcoterroristas”, afirmou Cláudio Castro — reproduzindo a retórica de Donald Trump em sua cruzada contra o narcotráfico na América Latina, agora abraçada por toda a claque bolsonarista.
LEIA TAMBÉM: Braço neofascista de Musk apoia clã Bolsonaro em ação de Trump para "bombardear a Guanabara"
Até o The New York Times noticiou o absurdo. A escolha do termo não é acidental: ela faz parte da estratégia da extrema direita de transformar a violência policial em bandeira ideológica e enquadrar o Brasil na lógica da “guerra ao inimigo interno” — uma retórica que confunde segurança pública com militarização.
Assim como Trump usou a Venezuela como símbolo de caos e ameaça regional, o bolsonarismo tenta projetar o Brasil como o novo epicentro dessa narrativa, apresentando o país como refém de “terroristas” e justificando a repressão interna em nome da “segurança nacional”.
Poucos dias antes do massacre no Rio, o senador Flávio Bolsonaro elogiou as operações militares dos Estados Unidos e chegou a sugerir que Washington poderia “ajudar o Brasil a combater organizações terroristas”.
Nas últimas semanas, ele e outros aliados voltaram a defender que facções como o PCC e o Comando Vermelho sejam classificadas como organizações terroristas — uma equiparação sem base jurídica internacional. Enquanto o crime organizado busca lucro e controle territorial por meio de atividades ilícitas, o terrorismo tem motivação política ou ideológica e visa intimidar governos e populações.
Confundir os dois conceitos é uma manobra política: serve para justificar mais repressão, criminalizar a pobreza e concentrar poder nas forças de segurança.
Ao importar a retórica da “guerra às drogas” de Washington, o bolsonarismo repete a estratégia fracassada que devastou a América Latina: mais mortes, mais militarização, menos segurança. O objetivo não é proteger vidas — é manter viva a narrativa do inimigo interno, o mesmo expediente usado por regimes autoritários para legitimar a violência e o controle político.