OPINIÃO

O Evangelho que mata! Resposta a Nikolas Ferreira – por pastor Zé Barbosa Jr

Em nome de uma fé domesticada, o deputado transforma o Cristo da graça e da compaixão em símbolo de vingança e ódio

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Teólogo, escritor, pós-graduado em Ciências Políticas e pastor da Comunidade de Jesus em Campina Grande - PB
O Evangelho que mata! Resposta a Nikolas Ferreira – por pastor Zé Barbosa Jr
O Evangelho que mata! Resposta a Nikolas Ferreira – por pastor Zé Barbosa Jr. Deputado Nikolas Ferreira empunhando uma metralhadora. Reprodução/Facebook Nikolas Ferreira

Numa postagem patética e repleta de absurdos, o deputado federal Nikolas Ferreira faz uma série de afirmações na tentativa de defender o massacre que ocorreu no Rio de Janeiro a partir de uma visão “bíblica”. As palavras de Nikolas, travestidas de piedade e revestidas de citações teológicas, são o retrato de um cristianismo sequestrado pelo ódio. Quando ele afirma que “a esquerda só se lembra de Cristo quando lhe convém”, o que revela, na verdade, é um projeto de poder que usa o nome de Jesus para legitimar a barbárie. Essa retórica não é nova: desde o Império Romano, o Evangelho tem sido distorcido para abençoar espadas, coroas e execuções. Mas o Cristo do Evangelho, aquele que nasceu pobre, que foi perseguido e condenado injustamente, jamais se aliaria e se alinharia à lógica da morte.

A fala do deputado parte de uma confusão deliberada entre justiça e vingança. Ele cita Santo Agostinho e São Tomás de Aquino para justificar a repressão, como se a violência do Estado fosse um ato de amor. Mas o conceito bíblico de justiça nunca foi o da retribuição — “olho por olho” —, e sim o da restauração. Na Escritura, justiça é mishpat, termo hebraico que indica equidade, reparação e cuidado com os vulneráveis e dar aos indivíduos os seus direitos. Ser justo é garantir que ninguém seja esquecido, que todos tenham vida em abundância. O profeta Isaías grita: “Buscai a justiça, socorrei o oprimido, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva”. Essa é a justiça que Jesus encarna.

O Cristo dos Evangelhos não empunhou espada nem abençoou guerras. Quando Pedro, tomado pelo ímpeto da autodefesa, saca a sua “arma” no Getsêmani, Jesus o repreende: “Guarda a tua espada, pois todos os que lançam mão da espada, pela espada morrerão”. O mesmo Cristo que expulsou os vendilhões do templo não o fez em nome da violência, mas da purificação espiritual — um gesto simbólico de denúncia contra a profanação do sagrado, e não de derramamento de sangue. Reduzir esse gesto a um exemplo de “força moral” que legitima a repressão é trair o sentido do Evangelho.

A hipocrisia da direita cristã se revela, sobretudo, na seletividade da sua moral. Dizem defender a vida, mas silenciam diante de cada corpo negro tombado nas favelas. Chamam de “vitória da ordem” o que é, na verdade, uma política de extermínio disfraçada de combate ao crime. O que ocorreu no Complexo da Penha e no Alemão não foi uma “reação policial”, como repetem os discursos oficiais — foi uma chacina premeditada, planejada com o cálculo frio de quem transforma a dor alheia em moeda eleitoral. Cada corpo ali jazendo não representa apenas a falência da segurança pública, mas também a deformação moral de uma sociedade que perdeu a capacidade de se comover.

Jesus, em Mateus 25, não deixou dúvidas: “Estive preso, e foste me visitar”. Não disse “estive preso injustamente”, mas simplesmente “preso” — como se quisesse ensinar que, para o Reino de Deus, nenhuma pessoa é descartável, nem mesmo o criminoso. A misericórdia de Cristo não faz distinção entre culpados e inocentes, porque o amor divino não se mede pela moral humana, mas pela compaixão que restaura o que está perdido. Por isso, afirmar que “amar o pecador não é absolver o crime” é reduzir o amor cristão a uma planilha jurídica.

A retórica da “ordem sobre o caos” é, na verdade, a idolatria da força. E é justamente contra essa idolatria que o Evangelho se ergue. Cristo não morreu nas mãos de criminosos, mas nas mãos do Estado e da religião — de autoridades que também diziam agir “em nome da lei” e “para preservar a ordem”. Quando a direita cristã aplaude a morte e abençoa as balas, ela repete o gesto daqueles que crucificaram Jesus em nome da segurança de Roma. E cada vez que uma favela é invadida e corpos são deixados no chão, Jesus é crucificado de novo.

O verdadeiro cristão não celebra a morte de ninguém, nem mesmo a de quem erra. Porque quem se alegra com a execução do outro ainda não entendeu o escândalo da cruz. O amor de Cristo não é cúmplice do crime, mas tampouco é aliado da vingança. Ele não veio para punir, mas para curar, restaurar e salvar. A fé que se deleita com o sofrimento alheio é idolatria de poder, não seguimento de Jesus. A religião, acostumada ao deus que mata, se perde diante da grande e revolucionária novidade do Evangelho: Em Jesus, Deus não mata. Ele morre!

Amar o bem não é odiar o mal — é transformar o mal em bem, é não desistir de nenhum ser humano. Jesus acreditava que até o ladrão à sua direita podia herdar o paraíso. Quem somos nós, então, para negar a outro a chance de recomeçar? O cristianismo verdadeiro é o da compaixão, não o do extermínio. É o da vida em abundância, não o da morte em nome da ordem. O Cristo vivo não empunha armas — ele estende as mãos.

Mas Nikolas jamais saberá o que é isso enquanto não conhecer o Cristo dos evangelhos. O jovem deputado vive numa era anterior, das trevas, das inquisições e do uso da religião para legitimar morte, terror e barbárie, sem contar o uso da mentira de forma contumaz para alcançar o poder e enganar o povo simples em seu festival de bravatas e ameaças vazias e caricatas, encarnando em si duas figuras bíblicas bem conhecidas: o cego que guia cegos e o lobo em pele de ovelha. Resumindo: um falso profeta.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum

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