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"Uma batalha após a outra" é bofetada nos isentões, sem perder a ternura

Longa de Paul Thomas Anderson não tem medo de criticar a esquerda sem se perder na teoria da ferradura

Escrito en Opinião el
Jornalista formado pela Escola de Jornalismo da Énois e cientista social pela USP. Já publicou em veículos como The Guardian, The Intercept, Hypeness, UOL e Carta.
"Uma batalha após a outra" é bofetada nos isentões, sem perder a ternura
Leonardo Di Caprio em Uma Batalha Após A Outra. Reprodução

“Uma Batalha Após A Outra” é o novo filme do cineasta americano Paul Thomas Anderson (Magnólia, Boogie Nights, Sangue Negro).

Baseado em Vineland, de Thomas Pynchon, o longa acompanha um grupo de revolucionários nos Estados Unidos que se engajam em ações diretas contra os campos de concentração de imigrantes e outras instituições do capitalismo norte-americano.

Estrelado por Leonardo DiCaprio e com atuações marcantes de Sean Penn e Benicio del Toro, o filme de 2h50 não dá ao espectador tempo para respirar. A minha recomendação é: veja no cinema.

A partir deste ponto, o texto contém spoilers.

A trama gira em torno do embate entre dois grupos: os revolucionários do French 75, uma organização de esquerda que busca transformação social por meio de ações diretas, e Steven Lockjaw (Sean Penn), um militar que comanda os campos de concentração na fronteira EUA-México. Lockjaw surge como um vilão implacávelmente estadunidense — algo entre o Exterminador do Futuro e Charles Bronson, com pitadas de neonazismo.

O grupo do French 75 é mostrado como desorganizado e, por vezes, contraditório. Em um dos momentos mais icônicos, Bob (interpretado por DiCaprio) cai em um telemarketing da guerrilha, revelando o absurdo burocrático que o movimento se tornou.

De outro lado, Anderson expõe sem sutileza o fascínio da elite americana pelo nazismo e pelo supremacismo racial — um tema que o diretor já havia explorado brevemente em Vício Inerente (2014). Essa crítica, agora central, é o coração de Uma Batalha Após A Outra.

O filme tem quebras humorísticas, em especial através do Sensei (Benício del Toro), um mestre de kung fu latino que atua como conselheiro espiritual de Bob e acolhedor de imigrantes ilegais.

E também tem como eixo motivador a relação pai e filha (e as contradições que existem entre a luta política e a própria família), marcado pela ótima representação de DiCaprio como um velho pai paranoico e a magistral Chase Infiniti (Charlene), uma adolescente que não pode ter um celular por conta da perseguição do governo.

Apesar das sátias internas ao campo progressista, o filme não recai no falso equilíbrio ou na teoria da ferradura. Anderson toma partido: é o da transformação social e do antifascismo. E deixa claro o motivo: de um lado estão os que lutam por mudança; do outro, os que encarceram crianças em campos de concentração.

Na Folha de S. Paulo, o doutor em filosofia Martim Vasques da Cunha criticou o longa por se distanciar da ambiguidade do romance de Pynchon. Segundo ele, Anderson toma partido demais e se deixa levar por uma “obsessão com Trump”. Cunha argumenta que o filme perde de vista a crítica original de Vineland à “tesão pelo fascismo” e diz que o longa é politicamente ingênuo.

No entanto, é justamente esse posicionamento que torna Uma Batalha Após A Outra um filme poderoso. Ele incomoda porque é abertamente antifascista, mas não cai na autocrítica destrutiva.

Anderson entrega uma obra sofisticada e terna, que mostra que a cadela do fascismo continua à solta nas instituições — mas que a esperança revolucionária resiste, geração após geração.

Para a esquerda, o filme funciona como uma sessão de terapia dura. É um lembrete das próprias contradições.

Para os isentões e moderados, é uma bofetada: não há equiparações morais possíveis entre os campos de concentração e os antifas.

E para os amantes do cinema, é uma obra-prima: a trilha sonora agoniante de Jonny Greenwood, a atuação fascinante de todo o elenco (em especial as de Sean Penn e Chase Infiniti) e o roteiro imbricado de Anderson são coroados com a histórica e vertiginosa fotografia do terceiro ato durante as perseguições nas estradas californianas.

Veja o trailer:

 

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